domingo, julho 06, 2014

Televisão, futebol e suas misérias

SALVADOR DALI
Telefone Lagosta
Objecto criado em 1936
Ainda a visão dominante das televisões sobre o futebol: silêncios, contradições e repetições — esta crónica de televisão foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (4 Julho), com o título 'Para perceber o futebol (2)'.

Na semana passada, ao analisar a presença do Mundial de Futebol no pequeno ecrã, referi o modo como as contradições do discurso de Cristiano Ronaldo — anunciando “o ano de Portugal”, para depois proclamar que “temos uma equipa limitadíssima” — são escamoteadas pela maior parte dos discursos televisivos.
Entretanto, alguém me chamou a atenção para o facto de Manuel Queiroz, na TVI24, não ter deixado de comentar essas mesmas palavras de Ronaldo, denunciando o seu simplismo — assim foi, sem dúvida, e aqui fica o registo.
Cristiano Ronaldo
Em todo o caso, permito-me lembrar que, precisamente para contrariar qualquer generalização automática, escrevi sobre a reverência “quase geral” das televisões face àquele jogador. Além do mais, não posso deixar de referir que a intervenção de Manuel Queiroz ocorreu num directo de quinta-feira à noite, tendo a minha crónica sido entregue, como é hábito, ao princípio da tarde de quarta-feira.
São pormenores, eu sei. Se os inventario, é apenas para sublinhar que, por mais discutíveis que possam ser as minhas observações, a fulanização dos seus pressupostos passaria sempre ao lado do que está em jogo. A saber: a ligeireza complacente com que, tradicionalmente, em televisão, são tratadas as intervenções públicas dos jogadores de futebol. Mais do que isso (e tal como voltou a ficar claro nas últimas semanas): a obscena promoção desses mesmos jogadores a símbolos de um patriotismo cada vez mais esvaziado de qualquer relação com a identidade história da nação portuguesa, no limite enaltecendo-os pelas mesmas formas de futilidade que alimentam o imaginário dos “famosos”.
Não há qualquer exagero em considerar que a presença televisiva da maioria desses jogadores se reduz a uma patética miséria discursiva: “o mister é que sabe”, “o grupo está muito unido”, “agora vamos ter de levantar a cabeça”... Será que eles têm mais alguma coisa para dizer? Seja como for, importa questionar os conceitos jornalísticos que parecem satisfazer-se com as infinitas repetições dos seus lugares-comuns.