quarta-feira, julho 30, 2014

Ozu x 3

Depois das reposições de Viagem a Tóquio (1953) e O Gosto do Saké (1962), em 2013, Yasujiro Ozu regressa ao mercado português, através de mais três filmes maravilhosos da fase final da sua carreira — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Filmes do mestre japonês Ozu regressam em cópias restauradas'.

A vitalidade do mercado cinematográfico não se mede apenas pelos números das bilheteiras. Não que o cinema não tenha de atender às suas lógicas comerciais. Mas, justamente por causa dessas lógicas, importa continuar a celebrar um princípio básico de diversidade (que, em boa verdade, nunca foi renegado por nenhum dos agentes do mercado).
Nos últimos dois anos, um interessante fenómeno de diversificação tem sido o regresso das chamadas reposições de títulos clássicos, em cópias novas. Nalguns casos, como aconteceu com Vertigo (1958), de Alfred Hitchcock, gerando sucessos muito consistentes. Surgem, agora, em exemplar restauro em cópias digitais, três títulos de Yasujiro Ozu. São obras da fase final do mestre japonês: A Flor do Equinócio (1958), Bom Dia (1959) e O Fim do Outono (1960). Mais do que isso: são filmes que ilustram o seu sofisticado trabalho com a película a cores, desenvolvido até ao seu derradeiro título, O Gosto do Saké (1962), também reposto nas salas portuguesas, em Setembro do ano passado (juntamente com Viagem a Tóquio, de 1953).
Os três filmes reflectem uma linha temática fulcral: as relações no interior do espaço familiar e, em particular, as tensões entre pais e filhos, sempre filtradas por todo um ancestral protocolo de ordem e hierarquias. Nesta altura do seu trabalho e da sua vida (Ozu viria a falecer a 12 de Dezembro de 1963, no dia em completou 60 anos), o cineasta liga esse sistema de relações aos ecos sociais e, sobretudo, emocionais da Segunda Guerra Mundial, observando a diferença entre o distanciamento dos mais novos e o desencanto dos mais velhos.
A visão dramática de Ozu apresenta-se quase sempre aberta a elementos de puro humor. Bom Dia é um caso sintomático, dando conta da transformação de hábitos gerada pelo aparecimento dos primeiros televisores nos lares japoneses; as personagens centrais são duas crianças cujos pais não parecem inclinados a adquirir um aparelho — de tal modo que os dois irmãos decidem não falar enquanto não puderem ver televisão em sua casa...
Na sua época, O Fim do Outono terá sido um dos títulos de Ozu com maior ressonância internacional, já que foi o candidato do Japão ao Óscar de melhor filme estrangeiro (sem que tenha chegado às cinco nomeações). O vencedor desse ano foi A Fonte da Virgem, de Ingmar Bergman, curiosamente também há poucos meses revisto entre nós, no âmbito de uma temporada de reposições dedicada àquele cineasta sueco.