quarta-feira, julho 09, 2014

No ano de "A Hard Day's Night"

A efeméride é esclarecedora: meio século depois, A Hard Day's Night, o primeiro filme dos Beatles, com realização de Richard Lester, persiste como um referência vital, não apenas no universo figurativo dos Quatro de Liverpool, mas também como um objecto capaz de congregar sinais de todo um tempo de muitas e inusitadas transformações.
Daí que valha a pena lembrar alguns filmes do mesmo ano — 1964 — desenhando um mapa esquemático de uma conjuntura cultural & política em que, na verdade, se não era tudo possível, tudo parecia possível.

* BELARMINO (Portugal)
de Fernando Lopes
Um dos grandes documentários "ficcionados" da época: resgatando as memórias do pugilista Belarmino Fragoso, Lopes discutia as fronteiras dos géneros cinematográficos e, mais do que isso, expunha a melancolia de uma sempre incompleta identidade portuguesa.

* DESERTO VERMELHO
de Michelangelo Antonioni
Os sinais inequívocos da evolução industrial, vistos e encenados como a consagração de uma nova paisagem afectiva — ou uma paisagem sem afectos. Se a própria noção de relação humana foi posta em causa pelo "progresso", Antonioni emerge como um olhar premonitório.

* O GRANDE COMBATE
de John Ford
A interrogação drástica dos pressupostos ideológicos e morais do western clássico foi uma vertente decisiva na dramática transformação interior de Hollywood — neste caso, enquanto símbolo vital do género, John Ford reavalia os sentidos tradicionais da própria história épica do seu país.

* GERTRUD
de Carl Th. Dreyer
Título final da filmografia do mestre dinamarquês, nele encontramos uma verdadeira arqueologia do poder masculino vs. desejo feminino. Criador de formas austeras e cristalinas, Dreyer foi também, afinal, um paciente observador dos espelhos e máscaras do espaço conjugal.

* BANDO À PARTE
de Jean-Luc Godard
A partir de um tom de ambígua reportagem [video de rodagem], Godard apanhava o sinais do tempo, num filme que, afinal, como sempre, discutia a moral das relações amorosas — é um dos objectos mais "ligeiros" da filmografia godardiana e, por certo, também um dos mais poéticos.