segunda-feira, julho 21, 2014

Monty Python em directo


* MONTY PYTHON LIVE (MOSTLY)
> UCI / El Corte Ingles — 20 Julho, 19h00

J. L.: Podemos perguntar: afinal, que foi exactamente o espectáculo ao vivo dos Monty Python? Um fabuloso evento que, na O2 Arena, em Londres, soube revisitar e recriar toda uma nobre tradição do entertainment que, sendo eminentemente teatral, passa tanto por Shakespeare como pelo cinema de Powell/Pressburger? Um exemplar show televisivo, realizado com a eficácia muito british de quem, de facto, sabe mostrar a vivência específica de um palco? Ou ainda, por obra e graça da tecnologia que passou a permitir (já há alguns anos...) transmissões directas para salas de todo o mundo, um evento também cinematográfico, de uma nova e contagiante dimensão? As respostas são, todas elas, afirmativas: os Monty Python fizeram-nos sentir que o seu "velho" humor, metodicamente surreal e escatológico, cruel e poético, possui a sofisticação necessária e suficiente para, como agora se diz, mudar de plataforma e manter-se fiel à sua energia primitiva. Além do mais, reduzindo a pó todos os conceitos de stand-up que confundem as mais requintadas exigências do espectáculo com a acumulação de anedotas brejeiras...

N. G.: Numa altura em que surgem novos comediantes como cogumelos pelos campos, nada como ver como é a coisa verdadeiramente boa, inteligente e bem feita. Foram uma escola. Uma referência que estruturou uma nova maneira de fazer humor, aliando a força do nonsense e um sentido crítico sobre o mundo ao seu redor com um conhecimento profundo das heranças do teatro musical. Ajudaram a inventar uma nova forma de fazer humor na televisão, conseguiram depois encontrar um modo de transpor essa visão para o cinema e criaram descendências. Em 2014 despedem-se. E depois de uma sucessão de datas (sempre esgotadas) na O2 Arena, em Londres, a noite de ontem levou-os a salas de cinema do mundo inteiro. Se o feliz (e tecnicamente bem sucedido) modelo de "transmissão" seria só por si interessante fonte de reflexão - na medida em que liberaliza o acesso aos eventos, lançando um novo debate entre o que acontece "ao vivo" e a "experiência pela presença" - o espetáculo em si evidencia que, antes de terem criado uma linguagem que fez história na TV, havia as tais heranças que ali assimilavam. E foi do domínio dessas mesmas heranças, da canção, da dança, da mise-en-scène, que viveu uma noite absolutamente memorável. Sketches e animações vintage foram recriadas entre novos momentos e sem travão à pontual improvisação ou gargalhada incondicional (o sketch do papagaio morto, entre John Cleese e Michael Palin, foi mesmo um dos momentos da noite, com breve janela de crítica sobre o panorama dos media no Reino Unido do presente). Juntamente com alguns convidados - de Eddie Izzard a Stephen Hawking (presente em vídeo e também na sala) - os cinco Monty Python (que não deixaram de, discretamente, homenagear a memória do sexto) despedem-se da melhor forma. E ao fim da noite, depois de nos ecrãs se ler "Monty Python (1969-2014)", acenam, muito ao seu jeito, o seu último adeus, em grandes letras no mesmo ecrã sobre o palco: "Piss off"... 

PS. O leitor Miguel Botelho contactou-nos, especificando que o que acontece durante o sketch do Papagaio não é exatamente uma crítica ao panorama dos media no Reino Unido, mas uma ideia com foco muito mais específico. O que "Palin e Cleese fazem, de facto, é insultar o crítico teatral do Daily Mail, Quentin Letts, em 'revanche' pela crítica demolidora que Letts publicou sobre o show", escreveu no email que nos enviou e que agradecemos. Aqui podem ler a crítica publicada no Daily Mail.