domingo, julho 06, 2014

Memórias do 'noir' e do jazz
num retrato de Los Angeles

John Adams
'City Noir'
St. Louis Symphony, dir. David Robertson
CD, Nonesuch

Foi com uma obra de John Adams que Gustavo Dudamel assinalou a sua estreia como diretor artístico da Los Angeles Philharmonic em 2009. A noite tinha uma Sinfonia Nº 1 de Mahler como prato principal, mas a primeira parte do programa propunha uma outra estreia: a de uma nova obra de John Adams expressamente encomendada para aquela ocasião. Tratava-se de City Noir, uma evocação de tempos idos em Los Angeles, sob ecos anos 40 encontrados tanto nas memórias do film noir como no jazz. Completando um tríptico de retratos da Califórnia (onde o compositor vive desde os anos 80) que antes visitara já em The Dharma at Big Sur e El Dorado, City Noir é tanto um herdeiro natural da respiração jazzística que a música orquestral começou a descobrir há quase um século com Gershwin, mas também (e como o próprio compositor aponta) uma descendência de diálogos semelhantes vividos pela música de Darius Milhaud. 

Com primeira gravação (ao vivo) na interpretação da Los Angeles Philharmonic, com Dudamel – editada na série de lançamentos digitais da Deutsche Grammophon, mas também em DVD – City Noir conhece nova (e belíssima) abordagem nesta leitura pela St. Louis Symphony, dirigida por David Robertson, que explora tão bem o lirismo do final do segundo andamento como a pulsão vibrante do ritmo da cidade que visita no terceiro, a presença das referências e a devida exploração das sonoridades dos metais valorizando igualmente mais um exemplo claro do talento de um dos maiores compositores do nosso tempo. 

Este encontro dialogante entre as sonoridades do jazz e da música orquestral tem outra expressão igualmente viva no Concerto para Saxofone, que completa o alinhamento deste lançamento da Nonesuch. O concerto tem como solista nesta sua primeira gravação o saxofonista Timothy McAllistair, para quem de resto foi composto na sequência da sua contribuição numa interpretação de City Noir. Ecos de uma vivência antiga entre a sonoridade do saxofone (o instrumento que tocava o pai do compositor) e do jazz num todo são aqui presença integrada (mas discreta) na escrita, que a interpretação depois valoriza. Por outro lado há aqui todo um conjunto de outras experiências convocadas, entre elas uma certa pulsão rítmica com alma Stravinskyana que alarga mais ainda a paleta da cores visitada.

Para que não haja dúvidas: está aqui um dos grandes lançamentos de música clássica de 2014.