segunda-feira, julho 21, 2014

'House of Cards':
Nos bastidores da política (1)


Esta é a primeira parte de um artigo que publiquei recentemente nas páginas do suplemento Q., do DN, sobre a edição em DVD da série House of Cards. 

Um entre os mais entusiastas dos seguidores de House of Cards é alguém que, ao contrário do protagonista Frank Underwood, conhece de facto (e bem) os recantos da Casa Branca e da própria Sala Oval. Chama-se Barack Obama e, quando os episódios da segunda época estavam a caminho de ser apresentados, pediu aos produtores que o deixassem ver a série por antecipação. E na altura, com o humor que lhe é conhecido, terá comentado: “Era bom que as coisas fossem assim tão impiedosamente eficientes”... E acrescentou que, ao ver a personagem interpretada por Kevin Spacey, deu por si a pensar: “Este tipo consegue que as coisas aconteçam”... Palavras que, nas entrelinhas, ecoam os momentos difíceis que o Presidente dos EUA viveu não apenas desde que o Congresso tem maioria republicana, mas até antes das mid-terms [eleições intercalares] de 2010, quando os números de representantes lhe eram favoráveis nas duas câmaras do Congresso.

A série é a mais recente de uma linhagem de ficções televisivas de grande produção que tomam o espaço político contemporâneo norte-americano como pano de fundo e tutano para a evolução de histórias e personagens que se movem nos meandros do poder, porém com características distintas de Os Homens do Presidente ou, sobretudo, Newsroom, duas criações de Aaron Sorkin a segunda procurarando mesmo uma ligação mais próxima de factos reais.

A produção televisiva recente descobriu com Os Homens do Presidente um filão que Sorkin ali soube explorar numa série que, ao longo de sete épocas, revelou o que seria o pulsar do coração de uma Administração democrática (curiosamente num tempo em que, salvo nos dois primeiros anos de produção, a Casa Branca era ocupada por George W. Bush). A série – que tinha a ‘west wing’ (a ala executiva) da Casa Branca como centro da ação – terminou em 2006 com a eleição de um presidente latino, sucessor do protagonista Bartlett (um grande papel de Martin Sheen), antecipando assim em dois anos a eleição “real” do primeiro presidente de uma minoria étnica norte-americana.

Aaron Sorkin regressaria à política norte-americana como matéria-prima para uma outra série (ainda em produção) estreada em 2012, também na HBO. Desta vez com um republicano como protagonista – o jornalista Will MacAvoy (interpretado por Jeff Daniels) –, The Newsroom tem em muitos dos seus episódios acontecimentos reais tomados como ponto de partida para em seu redor criar cenas do quotidiano de uma redação televisiva (e incursões pelos bastidores das vidas de quem nela trabalha). O protagonista corresponde a um espaço político conservador mas crítico das visões mais extremadas do Tea Party, representando a série uma reflexão sobre não apenas o jornalismo mas também as mudanças recentes do mapa político norte-americano.

Se a estas duas séries criadas por Aaron Sorkin juntarmos a comédia Veep (da HBO, sobre uma vice-presidente desinformada e impreparada para o cargo) e Boss (produção da Starz, sobre os bastidores de uma grande autarquia) ou os telefilmes, realizados por Jay Roach para a HBO, Recount (2008) – sobre o caso de recontagem dos votos na Florida em 2000, que acabaria por dar a vitória a George W. Bush – ou Game Change (2012) – sobre a figura de Sarah Palin, com a atriz Julianne Moore no papel principal –, ficamos com uma ideia clara de como o mundo político norte-americano encontrou na produção de ficção um espaço de reflexão que não deixa de ser uma extensão do interesse pelos meandros da política que a mesma televisão veicula nos espaços informativos.

House of Cards é contudo uma ideia mais ousada e diferente. Toma como tempo e espaço de ação a chegada à Casa Branca de um novo presidente eleito pelo Partido Democrata, mas foca atenções na figura do líder da maioria no Congresso, Frank Underwood (um dos maiores papéis da vida de Kevin Spacey), a quem não é entregue a supostamente prometida pasta de Secretário de Estado... Situação que, narrativamente, será o motor para uma vingança que, episódio atrás de episódio, mostrará como este usa o poder a seu favor, desde a forma como manipula uma jornalista ao modo como estabelece um jogo seguro de aliados, subalternos e inimigos que faz mover no tabuleiro dos acontecimentos.

(continua)