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| Rodagem de The Misfits/Os Inadaptados (1961) |
Que memórias nos ficaram de Eli Wallach? Ou que memórias ainda não nos roubaram? Este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Junho), com o título 'Memórias do fim do mundo'.
Hoje em dia, crianças e jovens são diariamente injectados com a ideia de que o cinema dos “efeitos especiais” corresponde a uma espécie de apocalipse festivo cuja infinita repetição consagra os poderes espectaculares de... Hollywood. De facto, são mantidos numa triste ignorância sobre a imensidão de talentos e maravilhas que a multifacetada história de Hollywood contém, além do mais vivendo sob o jugo de um marketing que “esquece” todos os filmes que tenham sido feitos há mais de... seis meses.
Não surpreende, assim, que a morte de Eli Wallach (a 24 de Junho, contava 98 anos) tenha sido convertida num acontecimento mediaticamente discreto. Qualquer disparate recentemente protagonizado por Justin Bieber é, por certo, mais importante para o destino da humanidade do que a evocação de uma das mais nobres figuras da história clássica do cinema americano, também com uma presença significativa em muitas produções europeias.
Pertenço a uma geração que, como um ritual de luto cinéfilo, integrou a ideia (afinal, enérgica e positiva) de que o filme The Misfits/Os Inadaptados (1961), escrito por Arthur Miller e realizado por John Huston, corresponde a um encerramento simbólico do classicismo americano. Lá surgia Eli Wallach, num elenco liderado por um lendário triunvirato: Clark Gable, Marilyn Monroe e Montgomery Clift. Era um filme apocalíptico, precisamente, no sentido em que, a partir das acções de captura de cavalos selvagens no Nevada, contemplava uma ideia amarga de fim do mundo — fim de um mundo natural, fim de um mundo utopicamente harmonizado com uma Natureza redentora.
Dir-se-ia que Os Inadaptados duplicou o seu desencanto através da vida dos protagonistas: a morte de Gable ocorreu antes da estreia, ainda em 1960, doze dias depois da conclusão da rodagem; Marilyn viria a falecer em circunstâncias trágicas em 1962; Clift viveu até 1966, numa saga de muitos dramas íntimos. Eli Wallach foi o heróico sobrevivente desse universo em que as convulsões da ficção se enredavam sempre com a vida vivida. Aliás, não será abusivo considerar que, através de Roslyn, a personagem de Marilyn (será preciso sublinhar a rima dos nomes?...), Miller fazia também o desencantado balanço do seu casamento — a actriz e o escritor viriam a divorciar-se em 1961, ainda antes da estreia americana do filme (no dia 1 de Fevereiro).
Ironicamente, quase todas as notícias da morte de Eli Wallach definiram-no através da sua passagem pelo “western spaghetti”, em O Bom, o Mau e o Vilão (1966), sob a direcção de Sergio Leone. Não que a sua imagem possa prescindir de tão importante referência. Mas como esquecer as suas glórias teatrais, a estreia no cinema em Baby Doll (1956), sob a direcção de Elia Kazan, e a sua íntima ligação ao Actors Studio e aos princípios do Método, segundo Stanislavski? Decididamente, a memória é uma tarefa árdua.
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