terça-feira, julho 08, 2014

A FIFA e o seu futebol (1/2)

Como é que o mundo do futebol de vê a si próprio? Digamos que, no caso da FIFA, as ideias cinematográficas não abundam... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 Julho), com o título 'Filme histórico evocaa evolução da FIFA'.

Do ponto de vista mediático, não poderia haver um acontecimento cinematográfico tão oportuno como Paixões Unidas (em exibição), realizado pelo francês Frédéric Auburtin. Numa altura em que se entra na fase final do Mundial de Futebol do Brasil, o filme propõe uma revisitação dos momentos chave do organismo que dirige o planeta do futebol, a FIFA, desde os tempos heróicos da sua fundação, em 1904, até ao Mundial de 2010, na África do Sul.
Estamos perante um objecto que possui uma dimensão inevitavelmente oficial, já que, como se pode ler logo no genérico de abertura, a própria FIFA é uma das entidades financiadoras. Mais do que evocar os principais eventos públicos na história da organização — precisamente os campeonatos mundiais de futebol, cuja primeira edição ocorreu no Uruguai, em 1930 —, Paixões Unidas centra-se nos processos de criação, organização e gestão da FIFA, com particular incidência nos conflitos de bastidores que marcaram a sua evolução.
Tal opção constitui, aliás, o motivo de algumas das críticas mais severas que têm sido feitas ao filme de Auburtin: numa história que se pretende de celebração do futebol como desporto e, mais do que isso, factor de ligação simbólica entre os povos de todo o mundo, Paixões Unidas acaba por ter, não os jogadores, mas os executivos da FIFA como personagens centrais, a começar pelo seu primeiro presidente, o francês Robert Guérin, interpretado por Serge Hazanavicius (irmão de Michel Hazanavicius, “oscarizado” em 2012 pela realização de O Artista).
Pontualmente, o filme integra materiais de arquivo de diversas edições do Mundial de Futebol. De qualquer modo, a maioria das cenas aborda a acção de alguns dos principais dirigentes da FIFA, aliás através de composições de actores muito conhecidos. Assim, o francês Jules Rimet, que continua a ser quem ocupou durante mais tempo o cargo de presidente (1921-1954), é interpretado por Gérard Depardieu. É o único em que há coincidência entre a nacionalidade da personagem e a do próprio actor: o brasileiro João Havelange está entregue ao neozelandês Sam Neill, enquanto o suíço Sepp Blatter (actual presidente da FIFA) é desempenhado pelo inglês Tim Roth.
Paixões Unidas, cuja estreia mundial ocorreu no passado mês de Maio, numa das projecções ao ar livre (“Cinema na Praia”) do Festival de Cannes, acaba por pertencer a um género pouco frequente na história do cinema. De facto, a popularidade global do futebol continua a ser um fenómeno eminentemente televisivo, sendo poucos os filmes a abordar os heróis (ou anti-heróis) do seu universo. Não deixa de ser significativo que um dos mais célebres, Fuga para a Vitória (1981), de John Huston, com Sylvester Stallone, Michael Caine e, num pequeno papel, o próprio Pelé, seja habitualmente reconhecido como um espectáculo cuja vibração emocional não esconde uma clara incompreensão do futebol e das suas componentes atléticas e tácticas.