terça-feira, maio 13, 2014

O 25 de Abril entre Suíça e Portugal

Como fazer política cultural? Ou melhor: o que é isso de fazer política cultural? Mal ou bem, mais mal que bem, os 40 anos do 25 de Abril relançaram a questão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Maio), com o título 'O 25 de Abril visto da Suíça'.

Para nossa maior desgraça, o modelo dominante dos debates públicos — que é também um modelo público de debates — passou a ser futebolístico e... televisivo. O futebol é um jogo fascinante, não é isso que está em causa. Acontece que, num país em que, por tudo e por nada, se lançam para o ar grandes discursos proteccionistas sobre a “família” e os “filhos”, seria interessante que alguém viesse explicar de que modo as intermináveis horas dedicadas à inventariação de penaltys marcados e por marcar (tudo pontuado por muitas formas de fanatismo clubista) contribuem para a educação de crianças e adultos e, em particular, para a promoção do “fair play” no desporto.
Não admira que o saldo televisivo do 25 de Abril tenha sido tão tristemente “clubístico”, opondo “reaccionários” e “revolucionários” de acordo com uma estupidez digna dos piores momentos que vivemos no PREC (A Cantiga Era uma Arma, de Joaquim Vieira, transmitido pela RTP2 no dia 6 de Maio fica como uma das boas excepções).
Ainda menos admira que um filme como As Ondas de Abril, de Lionel Baier, não encontre eco significativo no espaço mediático. Por razões cinematográficas? Sim, mas só até certo ponto: a evocação da odisseia de uma equipa da rádio suíça no Portugal dos dias atribulados de 1974 possui as virtudes de uma comédia despretensiosa, com todos os limites de uma visão superficial e caricatural.
Alguma reflexão em torno de As Ondas da Rádio justificar-se-ia, sobretudo, por razões ideológicas e políticas: o trabalho de Baier e dos seus actores — com destaque para Michel Vuillermoz, um talento da Comédie Française — mostra, com desarmante simplicidade, que há mais vidas (entenda-se: há mais formas narrativas) para além do populismo compulsivo que tem predominado na abordagem da nossa história do 25 de Abril (incluindo o “pré” e o “pós”). E não tenhamos dúvidas: a ruidosa monotonia desse populismo funciona também como apagamento da memória.
O debate seria tanto mais interessante quanto, precisamente a propósito dos 40 anos do 25 de Abril, se esperava que alguma personalidade da área da política — incluindo governo e oposições — se distanciasse por um momento do parque jurássico das suas formatações televisivas e nos ajudasse a pensar o que significa ter tido quatro décadas (em rigor: 36 anos) em que o modelo dominante de ficção audiovisual dá pelo nome de “telenovela”.
Fazer política cultural não é nada que exija a demonização de pessoas ou canais de televisão. Neste caso concreto, fazer política cultural começaria por uma pergunta muito concreta. A saber: de que modo o poder absoluto (narrativo & económico) das telenovelas satisfaz a diversidade de talentos de argumentistas, técnicos de imagem e som, actores e realizadores que trabalham no audiovisual? Não é uma questão inventada pelos críticos — é um problema social, inerente ao mercado de trabalho.