domingo, maio 18, 2014

Max Richter em quatro episódios (1)


A aproximação de Max Richter à Deutsche Grammophon, que começou pela sua colaboração na série Re-Composed com um disco no qual “re-compunha” As Quatro Estações de Vivaldi, conhece agora nova etapa numa altura em que esse mesmo disco de 2013 conhece reedição com faixas extra e até mesmo uma versão com um DVD acoplado. A essa segunda vida de Four Seasons Re-Composed junta-se agora uma série de quatro reedições de títulos anteriores da obra em disco do compositor alemão, nenhuma delas representando contudo o registo de trabalhos seus criados para o cinema – apesar de entre o alinhamento destes discos surgirem faixas que acabaram usadas em vários filmes. Ao longo dos próximos tempos haveremos de passar por estas quatro reedições, encetando hoje esse percurso com The Blue Notebooks, o mais antigo dos títulos deste lote que para já está apenas disponível em formato digital e que em breve conhecerá lançamento em suporte físico. Originalmente editado em 2004, The Blue Notebooks foi o sucessor do belíssimo Memoryhouse, o seu primeiro disco lançado em nome próprio. Com textos de Franz Kafka e Czesław Miłosz (lidos pela voz da atriz Tilda Swinton) como fio condutor, o disco representa uma clara progressão no sentido da definição de uma linguagem pessoal atenta a heranças clássicas, ciente de uma inspiração (embora não ofuscante) de figuras maiores do nosso tempo como Glass ou Eno e capaz de integrar num mesmo espaço o trabalho de uma orquestra, a presença solista de um piano ou um terreno de câmara para cordas, com elementos electrónicos e sons do mundo ao nosso redor. The Blue Notebooks é um disco mais feito de pequenos acontecimentos que as vistas largas orquestrais de alguns momentos de Memoryhouse haviam ensaiado. As palavras lançam um espaço de ideias e sugestões que uma música melancólica vai depois desenhando entre as presenças protagonistas do piano e de um ensemble de cordas, ocasionalmente abrindo portas a texturas electrónicas e uma sonoplastia delicada e não intrusiva (que por vezes pouco procura mais que juntar a presença discreta e distante de uma máquina de escrever). É um disco curto, do qual sairiam depois elementos para filmes como Valsa com Bachir (de Ari Folman) ou Shutter Island (de Martin Scorsese). Há já dez anos estava aqui bem clara a génese de uma linguagem que hoje faz de Max Richter um dos mais interessantes compositores do nosso tempo.