quarta-feira, maio 14, 2014

Em conversa: Daniel Hope


Esta entrevista serviu de base ao artigo 'A arte de reinventar uma peça da história da música' publicada na edição de 9 de maio do DN, assinalando a edição nacional de 'Vivaldi's Four Seasons – Re-Composed', de Max Richter, onde o violinista Daniel Hope surge como solista.

É certamente diferente trabalhar com um compositor vivo...
É muito diferente!... Mas quão bom poderia ser poder mandar um email a Mozart?..

Na verdade neste disco cruzam-se dois tempos e dois compositores: Vivaldi e Max Richter...
É um desafio. Amo esta peça desde os meus oito anos de idade e por isso ela faz parte da minha memória e alma. Foi-me apresentado um desafio... Durante anos toquei o Vivaldi sem questionar nada. E este projeto desafiou-me precisamente a fazer isso. E de uma forma maravilhosa. Por um lado deu-me a hipótese de conhecer uma obra nova mas, ao mesmo tempo, a de revisitar a obra-prima original. Foi tentar ser criativo com algo que se conhecia muito bem.

Ouviu gravações d'As Quatro Estações antes de avançar para este trabalho?
Nunca antes de uma gravação. E não o recomendaria a ninguém. Mas claro que ao longo da minha vida ouvi muitas gravações de grandes obras e cada uma que escutamos dá-nos algo, quer gostemos quer não do que ali escutamos. Há sempre momentos que podemos recordar. Se me falar de um concerto para violino eu lembro-me das grandes gravações feitas nos últimos 20 anos. O que uma grande gravação faz é inspirar-nos.

Tem trabalhado com vários compositores do nosso tempo. Consegue dizer já o que é a música do século XXI?
Não faço ideia o que é a música de hoje. Trabalho com uns 60 compositores e alguns já escreveram para mim, mas eu não compararia nunca um Max Richter com um Kurtág, com um Berio, com um Mark Anthony Turner. Todos têm a sua linguagem individual. Mas não sei o que é a música de hoje. Eu reajo à música de um modo especial e quando me relaciono com um compositor é sempre uma coisa entusiasmante. Nunca tento rotular nem comparar ou procurar semelhanças. Assim como não compararia um Beethoven com um Shubert ou um Shostakovich.

A noção de fronteiras derrubadas entre géneros e o impacte da era da globalização. Sente-os na música atual? É por aí que se espelha a modernidade?
Até um certo ponto. Mas um dos primeiros a recompor Vivaldi foi Johann Sebastian Bach. É algo que sempre aconteceu ao longo da história. É claro que a tecnologia assegura mais o espalhar da mensagem e hoje temos formas de dissecar a música de muitas maneiras, o que é completamente novo. Mas não acho que a ideia de recompor seja assim tão nova. O Max [Richter] o que fez foi algo dfieremte, que foi mesmo uma composição. Mas o principio está aío há cinco séculos. Este trabalho não é uma paráfrase. O Max disse mesmo que é 90% recente e 10% de Vivaldi. Será por aí.

Um dos seus projetos mais recentes levou-o a revisitar [com Anne Sofie Von Otter] memórias do campo de concentração de Terezín. Não se limitou contudo a recolher as memórias musicais. Houve ali um interesse pelas histórias a elas associadas.
Investiguei durante 15 anos sobre a música e os músicos, e também entre os sobreviventes. É uma história incrível e há ali música incrível também. Foi emocionante encontrar dois sobreviventes que pudessem contar a sua história.

O que chamou a esse universo?
Cheguei lá por acaso. Há uns 15 anos, a guiar de regresso de um concerto ouvi uma peça que não conhecia. Era um trio de Gideon Klein que não sabia quem era. Fui investigar e vi que era um homem espantoso que foi assassinado na casa dos 20 e que teria sido uma das grandes vozes da música do século XX. Foi o que começou tudo.

Parte importante da sua discografia apresenta discos temáticos, mais que o registo mais habitual de programas mais próximos da noção de recital. O que o atrai neste tipo de seleção musical?
Gosto de fazer estes discos. É como contar uma história. E juntar música e história em torno de um conceito. Fiz já muitos álbuns e têm um conceito. E os de que gosto mais são os que fiz na Deutsche Grammophon, que elevou esses conceitos a outro nível, especialmente com o Spheres. Enquanto puder fazer esses discos.