terça-feira, maio 20, 2014

A propósito de um inédito de Coppola

Twixt, um título inédito de Francis Ford Coppola, surgiu na televisão por cabo. É um bom pretexto para perguntar com vão as relações cinema/televisão — este texto foi publicado na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (16 Maio), com o título 'Cinema não é futebol'.

Começou a passar nos canais TV Cine aquele que é o mais recente filme de Francis Ford Coppola — chama-se Ilusão (título original: Twixt) e apresenta-se como um thriller fantástico ligado à tradição de Drácula (que, aliás, o realizador adaptou em 1992).
A notícia justifica um misto de entusiasmo e perplexidade, servindo de sintoma dos impasses que marcam o mercado cinematográfico — e, em particular, a presença do cinema no espaço televisivo. Assim, por um lado, só nos podemos regozijar pela revelação de um trabalho de Coppola [foto], por certo um dos nomes mais influentes na história do cinema (americano e não só) do último meio século. Ao mesmo tempo, por outro lado, não podemos deixar de nos questionar, questionando o mercado: qual o efeito de uma estreia deste género nos espectadores e, em particular, nos seus impulsos para o consumo?
São dúvidas que decorrem de um processo já longo cuja origem e (falta de) método está, não na programação de qualquer canal especializado, mas nas televisões generalistas. O apagamento do cinema como matéria prioritária das respectivas programações implica a sua sistemática desvalorização como espectáculo, matéria de actualidade e valor de património.
As consequências de tal conjuntura há muito deixaram de ser pensadas pelos agentes directa ou indirectamente envolvidos na sua (falta de) dinâmica. De facto, não é preciso nenhuma capacidade metafísica de adivinhação para compreender que a existência comercial do cinema — a começar pelas salas escuras — seria, por certo, mais enérgica caso as televisões entendessem esse mesmo cinema como um fenómeno cuja vitalidade só pode beneficiar (também) o seu próprio espaço.
Não surpreende, por isso, que a relação de produção televisão/cinema/televisão seja, em Portugal, das mais débeis de toda a Europa. Dir-se-ia que os preconceitos ancestrais contra o cinema português foram contaminando a relação corrente das televisões com os filmes em geral. Será possível fazer uma televisão genuinamente popular tendo como única prioridade o futebol?