quarta-feira, maio 28, 2014

A Europa e a impotência da esquerda

A. Em artigo publicado no jornal Le Monde, Vibeke Knoop Rachline (correspondente em França do jornal norueguês Aftenposten), reflecte sobre o choque das eleições para o Parlamento Europeu, sublinhando o inquietante impacto dos partidos populistas: "A sua mensagem pró-nacional, anti-europeia, anti-imigrantes, anti-islão, anti-integração é extremamente preocupante". Mais ainda: observando os números terríveis da abstenção um pouco por todo o lado (em Portugal, não votaram mais de 6 milhões de eleitores), Rachline enuncia uma conclusão simples e contundente: "A própria ideia da Europa, baseada na paz e na cooperação para além das fronteiras, já não convence".

B. Neste contexto, como ler esta primeira página do Libération? Como um sintoma da impotência argumentativa a que, globalmente, chegou o imaginário da esquerda. Recorrendo à figura da República Francesa, o jornal proclama a necessidade de "reagir" à vitória da Frente Nacional... Com quê? Com um grito enraizado no romantismo remoto da própria República. Que se ignora aqui? Um factor discursivo: a extrema-direita ganhou, afinal, através do empolamento panfletário de uma ideia transversal a todas as sociedades europeias: o conceito político da "Europa" chegou a um estado de extrema debilidade conceptual. Daí o seu slogan: "Não a Bruxelas. Sim à França" (aliás, convocando também a iconografia de outra heroína nacional: Joana d'Arc).


C. Há outra maneira de dizer isto: julgar que se podem combater — e, antes do mais, sinalizar — as ameaças anti-democráticas de forças como a Frente Nacional através de uma militância enraizada numa simbologia ancestral corresponde a um não enfrentamento de uma questão nuclear, tristemente confirmada pelos resultados deste acto eleitoral: a união económica da Europa (mesmo que estivesse a viver dias radiosos...) não gera, por si só, uma união cultural enraizada nos mais sólidos ideais democráticos. "Reagir" contra a Frente Nacional e os discursos populistas é, por certo, uma necessidade — mas como fazê-lo se não houver a lucidez rudimentar de olhar para a Europa do nosso presente como uma "união" iludida pela sua própria ideologia unitária?

Nota - Em Portugal, já nem se trata de reagir contra o que quer que seja. Aparentemente, no espaço mediático (há mais algum?...), a possibilidade de António Costa suceder a António José Seguro é a única questão do momento... Triste redução de tudo o que acontece a um combate de "famosos"! A fulanização pueril das tragédias políticas é mesmo uma lei portuguesa contra a qual ninguém reage — a começar pela esquerda, que vive enredada na mais perigosa das crenças: a de que a história lhe legou o primado de uma razão transcendente e inquestionável.