terça-feira, abril 29, 2014

O que procuramos nas ruinas? (1)

Este texto, sobre a exposição 'Ruin Lust' patente na Tate Britain, em Londres, foi originalmente publicado na edição de 19 de abril do suplemento Q. do DN, com o título 'Olhar o Passado e o Futuro Entre as Ruinas'. 

Tons de vermelho sugerem a fúria da violenta erupção explosiva que, no ano 79 da nossa era, apagou do mapa as cidades romanas de Pompeia e Herculano na região da atual Nápoles. Cidades que voltariam a ver a luz do dia apenas em 1748, desde então as suas ruínas tendo-se tornado das mais célebres relíquias daquilo que era vida urbana de um outro tempo. A seu lado, uma fotografia a preto e branco revela o “corpo” magoado de um velho bunker dos tempos da II Guerra Mundial. The Destruction of Pompeii and Herculaneum, pintada em 1822 por John Martin, e Azeville 2006, de Jane e Louise Wilson, são dois exemplos expressivos de um encantamento que em nós geram estas imagens que sugerem não apenas os ecos da destruição que retratam, mas a ordem que antes prevalecia. É assim que entramos em Ruin Lust, exposição temporária que a Tate Britain (em Londres) tem patente até maio.

No pequeno guia que nos é dado para as mãos ao entrarmos na exposição somos desde logo colocados perante uma visão que, de certa forma, justifica a ideia que motivou a sucessão de salas que temos pela frente: “As ruínas são curiosos objetos de desejo” porque nos “seduzem com decadência e destruição”. Como sugere ainda esse texto, as ruínas lembram-nos de passados gloriosos assim como apontam o colapso, num futuro, do que é a nossa cultura do presente. E é desse reunir de obras que expressam uma atração contemplativa pelo passado e de outras que nele procuram avisos para projetarmos adiante que se vive o percurso de oito salas que o museu nos propõe e sobre o qual editou um pequeno catálogo que apresenta e arruma um conjunto de ideias sobre a história do nosso relacionamento com as ruínas enquanto matéria de inspiração e reflexão de artistas e pensadores.

A expressão “Ruin Lust”, que dá título à exposição, provém do alemão ruinelust e traduz um certo fascínio pelas ruínas (e consequentemente formas de as representar). E é desse fascínio, inicialmente focado em olhares sobre o passado, que somos acolhidos por obras como a já referida pintura de John Martin sobre Pompeia, ou Sketch for the Haldeigh Cathedral, de John Constable, que se mostram logo na sala que lança o percurso.

O gosto pelas ruínas é uma invenção pós-medieval. As ruínas clássicas foram inspiradoras para poetas, pintores e arquitetos do renascimento. Mas um certo encantamento pela sua representação ganhou expressão maior no século XVIII, havendo até depois uma etapa que assistiu à construção de ruinas falsas em novos jardins. No século XVIII, artistas como, por exemplo, Piranesi (de quem vemos, na segunda sala, uma célebre representação do Coliseu, em Roma), partiram das representações de ruínas para retratar a queda de antigas civilizações. Mais tarde artistas como J.M. W. Turner ou John Sell Cotman viajaram por espaços rurais em busca de olhares pitorescos sobre ruínas medievais. Em comum os olhares destes tempos partilhavam a expressão de “ansiedades sobre o presente e o futuro”, como sugere o mesmo texto que acompanha a exposição.

(continua)