Filme sobre as histórias de um hotel, objecto para além das rotinas do filme histórico, Grand Budapest Hotel é, talvez, o trabalho mais perfeito da filmografia de Wes Anderson — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Abril), com o título 'Os restos da utopia'.
Alfred Hitchcock gostava de lembrar que o cinema não é um instrumento de “reprodução” do que quer que seja... Como dizia o autor de Janela Indiscreta, um filme não é uma “fatia de vida”, mas uma “fatia de bolo”. Na sofisticada gastronomia cinéfila de Wes Anderson, Grand Budapest Hotel impõe-se como a sua síntese mais fascinante, feliz e desencantada — como disse quem sabia dessas coisas, “a felicidade não é alegre”.
Wes Anderson |
Poderá perguntar-se: onde é possível, então, encontrar os restos dessa utopia? Pois bem, no próprio cinema. Mais do que isso: o cinema existe como derradeiro lugar utópico que, dispensando a estupidez naturalista do nosso presente, se afirma através da vibração cromática dos cenários, da elegância intemporal do guarda-roupa ou da ironia sinfónica da música. Daí o efeito paradoxal de um filme como Grand Budapest Hotel: o seu assumido artificialismo aproxima-o do mais puro humanismo, sendo o cinema a exaltação da mais difícil de todas as artes que, como alguém nos ensinou, é a arte de viver.