segunda-feira, abril 21, 2014

A avalancha televisiva do "Benfica"

LUCIAN FREUD
Duplo Retrato
1985-86
1 - A avalancha televisiva (incluindo os canais generalistas) em torno dos vencedores da liga principal do futebol português constitui, por certo, mais um dos grandes desastres culturais do pós-25 de Abril. Isto sem esquecermos que estamos perante um vício tristemente europeu: através de imagens e sons, voltamos a ser convocados para um ritual de histeria compulsiva — onde está um político que seja capaz de falar desta obscenidade existencial e mediática?

2 - Que seja um clube chamado "Benfica", eis o que é completamente irrelevante para a discussão simbólica do caso: não se trata de registar gostos clubistas, sejam eles quais forem, muito menos de imitar os diálogos (?) televisivamente polarizados em torno dos chamados três "grandes". Já vimos idênticos apocalipses televisivos em torno de "Porto" ou "Sporting" e o resultado é sempre o mesmo: a redução do colectivo dos espectadores a consumidores de uma gritaria em que até deixa de ser possível cultivar alguma réstea de gosto por esse jogo fascinante que dá pelo nome de futebol.

3 - A certa altura, contei nada mais nada menos do que oito-canais-oito a transmitir o mesmo alarido, como se fôssemos um país onde nada acontece, a não ser uma vida social reduzida aos contrastes grosseiros do mais básico imaginário futebolístico. Aliás, mesmo que não acontecesse mais nada, esperava-se, pelo menos, que algumas formas de televisão não cedessem à facilidade do lugar comum em que se aconchegam e, no seu próprio interesse, ousassem propor-se como alternativa. Não o fizeram — podemos supor que não o querem fazer.