sexta-feira, março 07, 2014

A história de West End Girls (3)

Continuamos a publicação (em episódios) de um longo artigo sobre a canção West End Girls, que há 30 anos assinalou o inicio da sua atividade discográfica. O texto foi originalmente publicado no suplemento Qi, do DN, som o título 'Retrato Urbano na forma de uma Canção' 

Em março de 1985 a EMI assina os Pet Shop Boys e afasta-os do acordo inicial com Bobby O. Estreiam-se com Opportunities (Let’s Make Lots of Money), que tem um desempenho discreto nas vendas, não indo além do número 116 no Reino Unido. O tema tinha conhecido uma primeira versão com Bobby O e fora entretanto regravado com os produtores J.J. Jeczalik e Nicholas Froome. Neil chegaria a admitir mais tarde que prefere essa leitura original à que acabou depois editada no álbum de estreia. A canção tinha sido escrita em 1983, antes do primeiro encontro com o produtor americano. O interesse cinematográfico que caracteriza a etapa inicial da discografia dos Pet Shop Boys tem aqui outra expressão na forma da criação de duas personagens que Neil chegou a comparar aos protagonistas do filme O Cowboy da Meia Noite.

Ao ponderar a equipa para trabalhar num primeiro álbum os músicos falam em Stephen Hague (7), que tinha recentemente trabalhado com Malcolm McLaren em Fans e com a The World Famous Supreme Team em Hey DJ. Chris Heath nas notas da reedição de Please, lembra que o manager do grupo chegou a sugerir nomes como os The System ou a equipa Stock Aitken & Waterman (que já trabalhara com Divine e que dai a pouco tempo ganharia visibilidade maior com os Dead or Alive e, mais tarde, como Kylie Minogue ou Rick Astley, entre outros). Mas Neil e Chris estavam mais interessados em Stephen Hague. E com uma EMI não muito convencida, planearam fazer com ele um single e, só depois, partir para um álbum. E escolheram regressar a West End Girls.

Quando quiseram editar a mesma canção já no acordo editorial com a EMI tiveram de regravar o tema, porque não detinham os direitos sobre a gravação original. Stephen Hague surgiu que desacelerassem ligeiramente o tema, fazendo-o mais ambiental. A sugestão que fizeram foi então a de juntar sons de pessoas a caminhar nas ruas, como que criando soundscapes sobre os quais a canção evoluiria, gravaram também sons de trânsito. Foi o próprio Hague quem, de DAT na mão, partiu em busca de sons nas imediações dos estúdios onde estavam a gravar.

“O Chris e eu estávamos fascinados pela ideia de ter sons reais na música. West End Girls começa com alguém a caminhar numa rua e depois entram os sons das cordas, por isso parece o inicio de um filme. Visualmente queríamos então conseguir algo que se parecesse com fotogramas de um qualquer filme italiano estranho”, explica Neil em Catalogue, livro sobre a história visual dos Pet Shop Boys. Acrescentaram por isso mais sons incidentais e, como repararia Chris no booklet de Please, “por sorte uma rapariga estava a descer a rua com stilletos”.


A versão original da canção apresentava estrofes mais longas mas optaram por deixar elementos de fora na nova leitura, o que deixou espaços livres onde decidiram juntar a voz de Helena Springs, uma das coristas preferidas de Chris. Neil sugeriu uma melodia para as palavras que teria de cantar. Na nova versão juntaram ainda um solo de trompete tocado por Stephen Hague num Emulator. Todos os coros de Emulator vieram contudo já da versão original com Bobby O. Neil recordaria que tanto ele como Chris os queriam excluir para acentuar as diferenças entre as versões, mas foi Stephen Hague quem os demoveu da ideia. A nova versão levou cinco dias a ser concluída, desde a manhã de uma segunda-feira ao final de uma sexta. Levaram a gravação aos escritórios da editora. “Estavam um pouco preocupados, mas tivemos de lhes dizer que estava fantástica. E foi número um em Inglaterra e, em 1986, número um na América. “ recorda Neil. Uma remistura original para edição em máxi-single foi criada juntamente com Frank Rozak, um engenheiro de som som o qual trabalharam de noite, porque era mais barato. Neil confessou que na altura não estavam particularmente felizes com a remistura, mas acabou por subir ao número um da lista de discos de dança na América.

“Muitas pessoas assumiram que a canção falava sobre prostituição e, claro, essa visão não entra na minha cabeça. A canção fala sobre classe, sobre rapazes rudes a comportarem-se de forma mais chique. Fala dos opostos, de este e oeste, classe baixa e classe alta, ricos e pobres, trabalho e diversão. E é sobre uma ideia de escapismo. Há muito de escapismo nas nossas canções. Juntei os elementos sob a Rússia porque sempre me interessei muito pela história russa e a ideia era a de criar uma canção que ia de oeste para leste – do lago de Genebra à estação da Finlândia, que é uma viagem histórica que Lenine fez de comboio. O Chris e eu gostávamos muito do West End Londrino na zona de Leicester. Íamos muito a clubes nessa zona e a ao The Dive Bar em Gerrard street. Que é até mencionado na canção. Era numa cave e era um local húmido, e lá não havia mais que uns tipos efeminados e o barman. Mas aquilo fascinava-nos. O barman tocava Shirley Bassey ou Barbara Streisand ou Barry Manilow”, lembra Neil (8).

O sucesso de West End Girls confirmaria a pontaria da escolha de Stephen Hague como produtor, a sua presença no álbum não colocando depois mais dúvidas a ninguém. Please acabaria por ser gravado nos estúdios Advison, do próprio Hague, em Londres, ente novembro de 1985 e janeiro de 1986, com sessões de tarde e ao serão, e pausas para comer um kebab ali perto. De fora do alinhamento ficaram temas como It’s a Sin, Rent, What Have I Done to Desserve This, Jealousy ou One More Chance, que editariam depois entre os álbuns Actually e Behaviour. A tempo do álbum terminaram Suburbia, canção que ali incluíram numa versão muito próxima da maqueta, trabalhando-a mais tarde para edição naquele que seria um dos seus singles mais marcantes desta etapa da sua careira. O álbum não é exatamente um disco concetual, mas ente as canções abordam-se temas e narrativas que acabariam por definir um espaço coerente onde se pode contar uma história. “Fugiriam na primeira canção, depois chegavam à cidade (West End Girls), queriam fazer dinheiro (Opportunities), apaixonavam-se (Love Comes Quickly), mudavam se para um subúrbio (Suburbia), saiam para dançar (Tonight is Forever) havia violência na cidade (Violence) e sexo ocasional (I Want a Lover), alguém tenta engatar um rapaz (Later Tonight)... De certa forma funciona” explica Neil nas notas da reedição de 2001.

(7) Stephen Hague (n. 1960) Produtor norte-americano, fez sobretudo trabalho junto de varios artistas britânicos nos anos 80. Além dos Pet Shop Boys, com os quais trabalhou nos álbuns Please, Actually, Very e no single DJ Culture, gravou discos com os OMD, Malcolm McLaren, A-ha, James, Blur, Jimmy Sommerville ou New Order.
(8) in Please (booklet da reedição de 2001)