segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Shia LaBeouf a fazer-se engraçado

in Variety
> A performance de Shia LaBeouf no Festival de Berlim não passa de um episódio banal de mediatismo gratuito. Do ponto de vista jornalístico, não merece especial destaque. O certo é que não é possível reflectir um pouco sobre os seus mecanismos de significação, a não ser conferindo-lhe algum... destaque.

> Seja, então.

> O fait divers conta-se mais ou menos assim: o actor americano estava em Berlim para acompanhar a apresentação de Ninfomaníaca, de Lars von Trier. Na respectiva conferência de imprensa, depois de uma resposta lacónica (citando Eric Cantona...), e perante a surpresa dos outros elementos da equipa, abandonou a sala; enfim, na sessão oficial do filme, surgiu com um saco de papel enfiado na cabeça, proclamando: "Já não sou famoso". Resultado prático? Pois bem, se a fama já não se vive em períodos efémeros de 15 minutos, parece que passou a medir-se pelos efeitos de repetição que pode desencadear. Ou talvez o processo contrário (ainda mais estúpido): desencadear efeitos de repetição, eis a medida imediata da fama — faça-se uma pesquisa no Google, por exemplo, com as palavras "shia labeouf berlin" e observe-se a avalanche de resultados.

> O mais inquietante neste delírio de coisa nenhuma é que, de facto, ninguém tem nada para dizer — a começar, claro, pelo próprio Shia LaBeouf (apropriando-se de forma pueril das palavras de Cantona). A única coisa que se produz corresponde a um efeito tóxico da própria noção de link: passa-se da performance da figura pública para a multiplicação de notícias, posts e imagens, triunfando a mera contemplação narcisista do próprio mecanismo de redundância(s) que foi posto em marcha. Não se pense, porém, que os meios de comunicação são neutros neste processo. De facto, considerar que isto acontece apenas porque o meio é a mensagem será uma teorização interessante (e, por certo, pertinente), mas que ajuda também a consolidar o tabu mais quotidiano dos nossos tempos: o de que as mensagens, sejam elas quais forem, existem numa zona mágica de transparência e desresponsabilização — em tempo real, como se diz em rádio e televisão, sem nunca se pensar naquilo que se diz. Ora, importa contrapor que, bem pelo contrário, enviar uma mensagem é definir um espaço/tempo, ainda que virtual (sobretudo quando é virtual), em que, mesmo na mais cínica denegação, alguma responsabilidade se exerce.

> Resta dizer que, ao fazer-se engraçado, Shia LaBeouf (cujo talento é, obviamente, mais interessante do que este episódio pode fazer crer) consegue a proeza simpática — ainda que pouco mediática e desconhecida do infantilismo dominante nas redes "sociais" — de dar razão à sabedoria popular: mais vale cair em graça do que ser engraçado.