segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Novas edições:
Beck, Morning Phase

Beck
“Morning Phase”
Capitol / Universal
5 / 5 

Foi há vinte anos que, num tempo em que os espaços do pop/rock alternativo alcançavam novos patamares de visibilidade (em grande parte como consequência do sucesso de nomes como os Nirvana ou Pearl Jam), um jovem californiano de cabelos loiros e 24 anos registados no passaporte cativava atenções com Loser, canção do álbum Mellow Gold que rapidamente se afirmaria como um dos hinos do seu tempo. Aclamado (inclusivamente nos Grammys) com o posterior Oldelay (disco de 1996 que procurava pontes entre as linguagens pop/rock, a cultura hip hop e as novas estéticas de corte e colagem), Beck afirmou-se de então para cá como um dos mais versáteis e inspirados cantautores da sua geração. Assinou em 2002, em Sea Change, a sua obra-prima num disco de alma melancólica, herdeiro das ideias de um Nick Drake e de um Scott Walker. E agora, seis anos depois de um silêncio nos discos, regressa com um sucessor direto desse mesmo álbum.

Antes do Loser com que muitos o descobrimos em 1994 tinha já editado os menos visíveis Golden Feelings (cassete de 1993) e Stereopathetic Soulmanure (1994). E depois do seu período mais inspirado - que além de Mellow Gold, Odelay e Sea Change inclui ainda os discos Mutations (1998) e Midnite Vultures (1999) - entrou num período de demandas desafiantes, todavia com colheitas menos exuberantes, dessa etapa nascendo discos menos marcantes como Guero (2005), The Information (2006) e Modern Guilt (2008). Depois desse último registo de originais, lançado há seis anos, a vida musical de Beck seguiu opções diferentes das rotinas habituais. E em parte devido a problemas de saúde (como aludiu recentemente a NPR), em vez dos discos e dos concertos passou antes a escrever para outros músicos. Produziu discos (de Charlotte Gainsbourg a Philip Glass, passando por Thurston Moore) e encetou uma série de sessões especiais com músicos convidados com os quais, no seu estúdio em Malibu, promoveu a gravação de versões de álbuns integrais de figuras como Leonard Cohen, Velvet Undergroun ou os INXS, tendo como regra fundamental o facto de cada sessão decorrer no espaço de apenas um dia. Em 2012 foi ainda mais ousado ao apresentar Song Reader, um "álbum" de novas canções que, em vez de gravadas, lançou apenas como partituras (como se fazia antes da era dos discos).

Morning Phase, o seu 12.º álbum de estúdio é um espaço de reencontros, por um lado devolvendo-o a um terreno mais "tradicional" de apresentação de novas criações, por outro retomando diretamente o clima e as sonoridades do belíssimo Sea Change. Beck tinha tentado gravar este disco em 2005, em Nashville, mas deixara o projeto incompleto. Agora, e reunindo em Los Angeles, no mesmo espaço onde Sinatra em tempos trabalhou, alguns dos músicos com os quais gravou esse disco de 2002 (assumindo contudo ele mesmo a produção), entregando novamente os arranjos de cordas ao seu pai (David R. Campbell), Beck apresenta-nos não só o seu melhor álbum desde Sea Change como um dos melhores da sua obra. As referências são clássicas, apontando a figuras maiores como Nick Drake ou os Crosby, Stills, Nash & Young, com momento mais inspirado no esmagadoramente belo Wave onde a voz de Beck acaba rodeada pelo som de uma orquestra, sugerindo climas não muito distantes da obra de Scott Walker.

Este é um disco de canções de recorte clássico, dominadas pela presença da guitarra acústica e da orquestra. Morning Phase é um álbum coerente nas formas e de climas marcados pela melancolia. Um perfeito disco de inverno.

PS. Este texto é uma versão editada (e acrescentada de um outro publicado na edição de 23 de fevereiro no DN com o título 'Melancolia de inverno no novo álbum de Beck').