quinta-feira, janeiro 23, 2014

Novas edições:
The Beatles, The US Albums

The Beatles 
“The US Albums” 
Apple Records / Universal
5 / 5

Tinham já álbuns e singles transformados em sucessos maiores na Europa mas, em finais de 1963, os Beatles eram ainda ilustres desconhecidos na América. George Harrison tinha passado alguns dias nos EUA, entrado em lojas e discos e perguntado pelos Beatles... Ninguém parecia então saber do que falava. Antes de fazerem uma primeira visita oficial já tinham editado primeiros discos desse outro lado do Atlântico, com capas, títulos e alinhamentos diferentes, lançando uma obra que só depois de 1966 entraria em sintonia com os lançamentos oficiais de origem. Essa história feita de discos diferentes, mas com canções que por aqui também conhecíamos e agora devolvida aos escaparates das novidades, em lançamentos remasterizados (juntando alguns as versões mono e estéreo) que asseguram a continuação da criação de um catálogo definitivo dos Beatles na era digital.

A conquista da América pelos fab four elevou-os definitivamente a um estatuto de fenómeno global. E resultou não apenas da força das suas canções e pelo esforço da editora, como de uma série de coincidências que transformariam logo a primeira visita do grupo a nova Iorque, em fevereiro de 1964, num verdadeiro acontecimento mediático. A solidez conquistada em 1963 pela beatlemania na Europa e uma série de artigos na imprensa tinham finalmente entusiasmado a Capitol a apostar no grupo que, na origem, tinha sido lançados EUA pela pequena independente Vee Jay Records. A editora aposta então no single I Want To Hold Your Hand, e em pouco tempo tem em mãos um primeiro número um americano. Pela mesma altura o apresentador de televisão Ed Sullivan tinha presenciado em Heathrow a chegada dos Beatles vindos de uma mini digressão na Suécia, com uma multidão de fãs no aeroporto à sua espera. Contratou-os logo e quando, a 7 de fevereiro, os quatro músicos ingleses chegam ao aeroporto JFK estão lá nada mais nada menos que quatro mil admiradores e 200 jornalistas. A "invasão" tinha começado.

As atuações no programa de Ed Sullivan seriam determinantes para a consagração dos Beatles como mais que apenas um acontecimento de sucesso pontual. "Sabíamos que o Ed Sullivan era o grande, porque recebemos telegramas de Elvis e do Colonel", recordaria mais tarde Harrison em Anthology, o livro onde a história do grupo ė relatada nas palavras dos próprios músicos. O mesmo George revela ali que "quando a emissão esteve no ar não foram reportados crimes ou, pelo menos, houve muito poucos. Quando os Beatles estiveram no programa de Ed Sullivan até os criminosos descansaram por dez minutos". 70 milhões de espectadores viram a primeira atuação. Haveria outras duas mais, igualmente populares. A América rendia-se aos Beatles e estes abriam a porta a uma série de outras bandas do Reino Unido lançando aquilo a que chamaria depois a "invasão britânica".

A primeira visita a Nova Iorque deu logo conta de uma devoção exacerbada, com as programações de rádio claramente rendidas à presença dos Beatles na cidade. John Lennon contou depois que a partir de dada altura eles mesmo começaram a telefonar as estações de rádio da cidade para pedir que passassem discos de outros artistas, como as Ronettes, por exemplo. Queriam ouvir outra música.

Depois desta primeira visita, o grupo regressaria aos EUA em agosto de 1964 e agosto de 1965 para protagonizar digressões amplamente noticiadas e aclamadas (na segunda tendo ocorrido o seu histórico encontro com Bob Dylan, que seria marcante na partida da escrita do grupo para outros patamares). Diferente cenário conheceria a visita de 1966, sobretudo por consequência da má interpretação de uma frase de Lennon que comentara, com estranheza, o facto de lhe parecer que os Beatles se tinham tornado mais famosos que Jesus. Houve tentativas de intimidação por parte de grupos religiosos e até mesmo protestos com discos queimados, mas a digressão tomou o seu curso e termina a 29 de agosto com um concerto no estádio de Candlestick Park, em San Francisco, que seria o derradeiro da sua carreira (o famoso concerto no telhado da Apple em janeiro de 1969 seria a sua última atuação conjunta, mas nem foi anunciado nem teve bilhetes a venda).

Foi neste cenário de rendição total aos Beatles que a Capitol, depois de um primeiro lançamento pela Vee Jay (que lançou Introducing The Beatles em janeiro de 1964) criou a discografia paralela à que habitualmente define o cânone dos Beatles. Essa obra já tinha conhecido edição em CD nos anos 90 (se bem que alguns dos discos têm aqui primeira edição em CD). Esta caixa apresenta em conjunto os álbuns Introducing the Beatles (a “estreia” americana, de 1964), Meet the Beatles (1964), The Beatles' Second Album (1964), A Hard Day's Night (1964, apresentado como a banda sonora do filme, incluindo o score instrumental), Something New (1964, que inclui uma versão de I Want To Hold Your Hand em alemão), The Beatles Story (1964, uma antologia que junta canções e excertos de entrevistas), Beatles '65 (1965), The Early Beatles (1965, que recupera temas dos primeiros discos do grupo), Beatles VI (1965), Help! (1965, a banda sonora do filme, novamente com as faixas orquestrais com o score de George Martin), Rubber Soul (1965, cujo alinhamento não corresponde a mesma ordem de acoplamento dos temas face a edição inglesa), Yesterday and Today (1966), Revolver (1966, o último álbum de originais lançado com alinhamento diferente) e Hey Jude (1970, uma compilação feita com canções nunca editadas no alinhamento de álbuns, que sai na sequência de um novo acordo editorial entretanto estabelecido). A caixa junta-se assim às integrais em estéreo e mono da obra canónica reeditadas em 2009, as antologias vermelha e azul, aos dois volumes de registos das sessões para a BBC e aos "bootlegs" de 1963 (estes exclusivamente em suporte digital) para definir mais um episódio de um plano de reedições que certamente ainda nos dará mais novidades.

Esta é uma versão editada de um texto publicado na edição de 20 de janeiro do DN com o título 'A Conquista da América ao som dos Beatles'.