THOMAS EAKINS (1844-1916) Estudo do movimento humano |
Para além das diferenças de pessoas ou canais, a informação televisiva parece comandada por trágicas rotinas de formatação... e, para além do futebol, não há muita coisa a acontecer — esta crónica televisiva foi publicada no Diário de Notícias (24 Janeiro), com o título 'Os oráculos sociais'.
Há dias, procurando uma informação que teria surgido nas notícias das oito da noite, algures num canal generalista, passei por uma experiência (obviamente não premeditada) a que não pude deixar de reconhecer um contundente valor sintomático.
Tirando partido da possibilidade de percorrer os programas a uma velocidade acelerada, consultei várias dessas edições: tudo começava com os mesmos rostos de dirigentes partidários; seguiam-se os mesmos três treinadores de futebol (Cristiano Ronaldo surgia também, em momentos diversos, em montagens mais ou menos “patrióticas”); por fim, havia um curto período de imagens mais confusas, porque mais breves, que só consegui identificar voltando à velocidade normal... eram notícias do estrangeiro.
Que valor “científico” isto tem? Nenhum, como é evidente. Conheço há várias décadas o cinismo que leva a insultar automaticamente qualquer discurso crítico, denunciando as suas pretensões “científicas”... O que está em jogo é bem diferente: são ideias sobre o mundo em que vivemos e, em particular, perspectivas sobre os valores dominantes no poderoso espaço mediático, hoje em dia central em qualquer tecido social.
Assim, independentemente de variações e excepções, a paisagem noticiosa, também ela, tende a reproduzir formatos. Como? Elegendo determinados discursos e personalidades como figuras “obrigatórias”. Exemplo? Jorge Jesus, Leonardo Jardim e Paulo Fonseca foram promovidos a oráculos da sociedade portuguesa que, mandam as televisões, devem ser escutados todos os dias.
Há, por isso, um grande desafio que se coloca aos que fazem e pensam a política em Portugal. Consiste em perguntar que efeitos normativos tais formatos produzem no tecido social e, em particular, no trabalho cognitivo de cada cidadão. Numa altura em que a especulação sobre os candidatos à Presidência da República também já entrou na formatação noticiosa, seria útil que os líderes do comentário político – Marcelo Rebelo de Sousa e José Sócrates – tivessem a serenidade de sublinhar a urgência de lidar com tal desafio.