segunda-feira, dezembro 30, 2013

Bowie em 2013

Nas memórias musicais de 2013, o álbum The Next Day, de David Bowie, emerge como marca de um veterano que não desiste da ousadia juvenil — este texto foi publicado na edição de balanço do ano do suplemento "QI", do Diário de Notícias (21 Dezembro), com o título 'A arte de celebrar 66 anos'.

Desde a publicidade aos programas televisivos de “divertimento”, continuamos a ser violentados por uma ideologia que promove a “juventude” contra tudo o resto, exaltando-a quase sempre como símbolo de ligeireza e risonha irresponsabilidade. Veja-se o espaço publicitário: quantos anúncios nos bombardearam com a ideia (?) de que um jovem exemplar é aquele que gasta o tempo a consumir bebidas alcoólicas ou a olhar para o ecrã do telemóvel?
Neste contexto, é bom podermos dizer que uma das figuras emblemáticas de 2013 completou este ano uns radiosos 66 anos. Por mera celebração da “velhice”? Nada disso. Apenas porque David Bowie, o senhor que completou 66 anos no dia 8 de Janeiro, reapareceu com uma energia criativa de fazer inveja a muita “juventude” que anda por aí enredada no mais triste conformismo temático e estético.
Where Are We Now?, primeiro single de The Next Day (Columbia), 24º álbum de estúdio de Bowie, foi lançado precisamente no dia 8 de Janeiro. O acontecimento teve um impacto tanto mais bizarro quanto Bowie dispensou o aparato que, melhor ou pior, tende a enquadrar este tipo de eventos: nenhuma campanha, nenhum teaser, nenhum junket para jornalistas de todo o mundo... Em boa verdade, nem sequer uma banal notícia de antecipação: no dia 8 de Janeiro, Where Are We Now? e o respectivo teledisco apareceram no iTunes. Depois, veio mesmo a saber-se que o novo álbum tinha sido preparado, em absoluto segredo, ao longo dos últimos dois anos.
A partir daí, Bowie transformou-se numa das personalidades em destaque ao longo de 2013. Desde logo, claro, porque The Next Day se revelou uma colecção de canções capaz de envolver a revisitação do seu próprio património criativo, a par de uma serena avaliação da passagem do tempo (“Aqui estou eu, não exactamente a morrer”, diz ele no tema que empresta o título ao álbum). A sua presença adquiriu mesmo uma sedutora ubiquidade, através de alguns notáveis telediscos e também de uma exposição retrospectiva (“David Bowie is”) no Victoria & Albert Museum, depois deslocada para Toronto (São Paulo e Chicago recebê-la-ão ao longo de 2014).
Não se trata, entenda-se, de apresentar Bowie como modelo universal seja do que for. O certo é que a sua estratégia de apresentação de The Next Day acabou por funcionar também como uma pedagógica demarcação dos efeitos correntes do imaginário dos “famosos”. Com uma rima exemplar no final do ano: a 13 de Dezembro, sem dizer nada a ninguém, Beyoncé lançou um novo álbum directamente no iTunes...