sexta-feira, novembro 22, 2013

Em conversa: Alain Guiraudie (1/2)

Este texto corresponde a parte da entrevista com o realizador francês Alain Guiraudie realizada recentemente em Lisboa, a propósito da apresentação do filme 'O Desconhecido do Lago'. A entrevista serviu de base ao artigo 'Cenas de amor, desejo e morte nas margens de um lago' publicado na edição de 21 de novembro do DN.

Podia ou não ter projetado a acção do filme num outro local? E porque procurou um lago? 
Para mim era essencial levar este filme para um espaço a céu aberto. Ter sol, é verão... Uma sauna é um espaço mais claustrofóbico... Não queria também seguir os caminhos do Cruising do William Friedkin. E há uma outra sensualidade entre as arvores, a água, o vento... Podia ter feito o filme à beira do mar, mas para mim era importante que aquele fosse um espaço fechado. É por um lado um espaço aberto, mas que se vai fechando aos poucos. Há ali um horizonte que nunca fica muito longe. Quando escrevia o filme procurei mesmo lagos bem pequenos. Pensava mesmo se poderia ter famílias do outro lado. Mas estávamos em setembro e toda a gente já se tinha ido embora no final das férias e não tinha figurantes.

Foi longa a rodagem?
Foram seis semanas de rodagem. Se tivesse sido no pico do verão aquilo estaria cheio de gente, seria infernal. Fizemos a rodagem no sudeste francês, perto de Marselha. A 50 quilómetros da cidade, a nordeste de Marselha.

A dada altura a narrativa mostra um crime e, depois, a entrada em cena de um polícia. Não é uma figura algo caricata? Era intencional esse tom algo jocoso?
Há muito humor e distanciamento até. Aquele inspector não só faz um inquérito policial como também faz um inquérito sociológico. Gostei desta ideia de ter alguém muito burlesco que surgia assim do quase nada... É também um veículo de ligação entre o filme e o espectador. É alguém que é uma figura cândida, ingénua e que não compreende aquele mundo que ali vê... Eu falo daquele mundo com experiência própria, porque o conheço, é-me familiar. Mas há pessoas que não conhecem esse tipo de lugares e para eles pode parecer algo irreal. Para muitos poderá mesmo parecer ficção cientifica. E aquele personagem coloca assim as boas questões que qualquer um colocaria. Até eu colocaria. Mesmo conhecendo aquele mundo sei que a ideia das pessoas estarem juntas sem depois trocar números de telefone pode parecer bizarra. Já me arrependi de não ter trocado números de telefone. (risos) Era importante esta personagem que é tão burlesca como misteriosa, mesmo inquietante.

A representação explícita da sexualidade no cinema lança sempre um debate. Como refletiu sobre esta questão, que parece de resto ser central no filme? 
Eu nunca tinha representado a sexualidade entre homens desta maneira, nem tinha mesmo sequer abordado a questão da sida nos meus filmes. Tenho uma abordagem complicada ao sexo. E tenho-a tão complexa como cineasta como como indivíduo. O sexo é um tema um pouco complicado para qualquer um. Mas quando se é homossexual ainda o é mais. E para mim é ainda mais complicado que para todos os outros. Tinha receio... No Rei da Evasão, que foi o primeiro filme em que abordei questões da sexualidade, fi-lo entre um homem e uma mulher. Desta vez sabia que tinha de falar da sexualidade entre homens e tinha de mostrar os órgãos sexuais a funcionar. A sexualidade é isso. E o amor é isso, e passa pelo sexo. Esta é a grande elipse do cinema, seja homo ou heterossexual. E assim finalmente vemos os amantes, e como fazem o amor e como os vemos depois. Não faço elipses. Mas era importante para mim afastar o sexo da pornografia. Mostrar os órgãos, mas ligar tudo ao desejo, à paixão. Associar também uma poesia. Na verdade não há senão dois planos de sexo explícito. Está mostrado, está presente. Se fosse mais poderia aproximar-se da pornografia.

Podem ler aqui o que escrevi sobre o filme, por ocasião da sua recente antestreia no Lisbon & Estoril Film Festival.