quinta-feira, novembro 21, 2013

'2001' num grande ecrã em 2013


Este texto é uma versão acrescentada de uma coluna de opinião originalmente publicada na edição de 20 de novembro do DN com o título ‘Uma odisseia que marcou a ficção científica’.

O cinema descobriu a ficção científica com Méliès, na aurora do século XX, e ainda nos tempos do mudo e início do sonoro o género experimentou produções de grande fôlego como o foram o Metropolis (1927), de Fritz Lang, ou Things to Come (1936), de William Cameron Menzies. O avançar do tempo mostrou, contudo, mais francos avanços (em imaginação e atenção pela evolução do conhecimento científico) nos terrenos da literatura de ficção científica que no cinema, e durante anos, prosperou a construção de um corpo de filmes de série B (e daí abaixo, até ao Z) essencialmente feitos de ameaças alienígenas e invasores do espaço. Em 1951, o soberbo The Day the Earth Stood Still, de Robert Wise, lançava novas reflexões, embora sobre caminhos narrativos familiares, e em 1956 o Planeta Proíbido de Fred Wilcox respirava o ar de uma grande produção. Mas foi em 1968 que, sob o aval da MGM, Stanley Kubrick levou o cinema ao encontro do que era a linha da frente da literatura de ficção cinetífica, assumindo uma parceria criativa com o escritor Arthur C. Clarke. E com um orçamento como nunca antes a ficção científica conhecera fez nascer em 2001: Odisseia no Espaço um filme que não só marcou a história do cinema como se revelou momento ainda insuperado na história da ficção científica.

Num percurso que nos transporta do passado remoto (na alvorada da humanidade) ao que era então o futuro (afinal estávamos em 68), o filme levanta o momento da descoberta de primeiras evidências de inteligência extraterrestre e a forma como eventualmente terão agido sobre nós. Sugere um primeiro contacto nos tempos da pré-história, perante um grupo de hominídeos a quem a visita de um estranho monólito negro parece induzir a descoberta da utilização de instrumentos. E, com eles, a conquista do poder.

Projetamo-nos depois para um futuro pouco distante, acompanhando a deslocação à Lua de um alto responsável norte-americano para constatar, in loco, a descoberta de um objeto semelhante, que é dado como tendo deliberadamente sido enterrado na superfície lunar há quatro milhões de anos. O trajeto da Terra à Lua do Dr Floyd permite-nos saborear a valsa sideral de um vaivém a caminho de uma estação orbital (ao som do ‘Danúbio Azul’ de Johann Strauss), visitar essa mesma estação – e aí contactar com cientistas de uma base lunar russa – e, depois, seguir em nova nave rumo à base de Clavius (definida em linhas circulares concêntricas, certamente tendo inspirado anos depois a base Alpha de Espaço 1999).

O terceiro segmento do filme transporta-nos para uma missão a Júpiter, algures mais adiante no futuro, só a dada altura nos sendo revelado que caminhamos rumo à fonte de emissões de transmissões do monólito lunar, sendo-nos confirmada aí a constatação da descoberta de inteligência extra-terrestre. Mas mais que questionar o outro (o ‘alien’), que sabiamente – e sob conselho de Carl Sagan – o filme acaba por nunca mostrar, 2001: Odisseia No Espaço revela ali o âmago central do debate que lança, questionando a relação do homem com a máquina, o espaço da inteligência artificial e a noção de erro (que conhecemos no Homem, mas que também pode ocorrer na máquina). Entre a música de Katchaturian e Ligeti, esta longa sequência final leva-nos a bordo da Discovery, à descoberta da sua pequena tripulação de cinco elementos humanos (três dos quais em hibernação criogénica) e um computador, o Hal 9000, sem dúvida um dos protagonistas do filme. Além de olhar episódios de rotina a bordo, a câmara segue o momento em que o computador entra num processo de erro e, sob um acesso algo psicótico (digitalmente falando, é certo), decide eliminar os que haviam constatado a sua falha e poderiam ameaçar a sua existência. O diálogo entre Hal e o astronauta Dave Bowman, na sala vermelha que corresponde ao “cérebro” da nave, é mesmo uma das sequências centrais do filme e uma das mais belas reflexões sobre a relação entre o homem e a máquina na história do cinema.


Convém aqui sublinhar que 2001: Odisseia no Espaço usa o engenho e a visão para criar belos efeitos visuais e um engenho técnico de grande fôlego. Efeitos que servem o filme (e não o inverso, que é lógica corrente em muita sci-fi do presente). Basta ver as sequências de corrida na “tômbola” central da nave Discovery, com um dos astronautas a correr um percurso de 360 graus num plano sequência ou o momento em que uma hospedeira percorre uma passadeira que a faz entrar, de pés “para o ar” na cabine de um shuttle para notar que nem só dos bailados de naves e dos exteriores lunares vive o trabalho da equipa que Kubrick juntou para fazer deste um filme como o cinema de ficção científica nunca tinha conhecido (nem repetiu, sublinhe-se).

2001 trabalha depois o ritmo das imagens (e dos sons) com um sentido de tempo que acabaria por criar descendências. Heranças que tanto encontramos pouco depois no belíssimo Silent Running (de Douglas Trumbull, que trabalhou precisamente os efeitos visuais em 2001) como nos mais recentes Moon de Duncan Jones ou mesmo Gravity, de Alfonso Cuarón.

Imagens do trailer original do filme

A oportunidade de (re)descobrir 2001: Odisseia no Espaço é um dos momentos maiores da história dos grandes ecrãs em 2013. Vamos aqui dedicar-lhe alguma atenção ao longo dos próximos dias.