sábado, outubro 12, 2013

Madonna na primeira pessoa

Madonna está na capa da edição de Novembro da Harper's Bazaar. Lá dentro, o título diz "Madonna está de volta"; e a entrada recorda: "... mas nunca se ausentou". Na maior parte das notícias sobre esta publicação, sublinha-se o facto de, pela primeira vez, Madonna se referir publicamente à dimensão mais trágica dos seus primeiros tempos em Nova Iorque, vinda do cenário bem diferente de Rochester, Michigan:

>>> Nova Iorque não era tudo aquilo que tinha imaginado. Não me recebeu de braços abertos. No primeiro ano, fui ameaçada com uma arma. Violada no telhado de um prédio, fui arrastada com uma faca apontada às minhas costas e vi o meu apartamento assaltado por três vezes. Não sei porquê; depois de, na primeira vez, me terem roubado o rádio, não tinha nada de valor.

Compreende-se que semelhante revelação adquira evidência noticiosa. O que é menos compreensível é o facto de o destaque que lhe tem sido conferido escamotear, quase sempre, a abrangência, a dimensão e a elaborada reflexão que o texto de Madonna envolve. Estamos, afinal, perante um admirável discurso na primeira pessoa (express yourself), sustentado por alguém que arrisca reavaliar os momentos charneira da sua existência privada, ao mesmo tempo repensando o modo como tais momentos se podem transfigurar em matéria específica da sua exposição pública e, necessariamente, da sua intervenção artística.


>>> Fui abençoada com quatro filhos espantosos. Tento educá-los fora das convenções. A serem ousados. A escolherem fazer coisas porque estão certas, não porque todos os outros as andam a fazer. Comecei a fazer filmes, talvez o meu trabalho mais arriscado e compensador. Estou a construir escolas para raparigas em países islâmicos e a estudar o Corão. Penso que é importante estudar todos os livros sagrados. Como me diz sempre o meu amigo Yaman, um bom muçulmano é um bom judeu, um bom judeu é um bom cristão, e por aí fora. Não poderia estar mais de acordo. Para algumas pessoas, este é um pensamento muito ousado.

Tudo isto faz parte de um texto enorme (são mais de 10 mil caracteres) que, insisto, infelizmente, tem sido tratado sobretudo como um banal pretexto de revelações "polémicas". Vale a pena lê-lo no site da Harper's Bazaar. Percebendo também que não há nada de acidental nas conotações suavemente bélicas do admirável portfolio assinado por Terry Richardson — strike a pose continua a ser um princípio fundamental da arte de construir uma identidade no interior do mundo pop.