domingo, outubro 13, 2013

Florescer para além das fronteiras do jazz

Tal como nos espaços habitualmente integrados no universo da música “clássica”, também pelo jazz há quem goste de viver sem a noção de fronteira como barreira. Que o diga um Uri Caine, que tem assinado algumas das mais interessantes incursões pelos terrenos “clássicos”, um Brad Mehldau, que tanto interpretou já temas dos Radiohead ou gravou um ciclo de canções com a soprano Anne Sofie von Otter, um António Pinho Vargas (e lembro-me logo aqui do seu belíssimo díptico Solo) ou mesmo um Keith Jarrett, tantos que foram já os discos que dedicou à música de figuras como Bach ou Shostakovich. Ao catálogo da ECM, que tem Keith Jarrett precisamente como uma das suas mais marcantes presenças (e referências), junta-se agora o pianista norte-americano Aaron Parks. Natural de Seattle, e com apenas 29 anos, tem já uma discografia considerável, não apenas em nome próprio (antes deste editara já cinco álbuns), mas sobretudo como side man ou colaborador de figuras como Terrence Blanchard, com quem gravou entre outros o aclamado A Tale of God’s Will (A Requiem For Katrina), ou Joshua Redman. Arborescence representa (no mesmo ano em que colabora num outro lançamento da mesma editora, onde acompanha a cantora sul-coreana Yeahwon Shin) a sua primeira gravação a solo na ECM e nasce de uma sessão essencialmente improvisada, que decorreu em novembro de 2011 no Mechanics Hall, em Worcester. Na verdade Aaron não estava totalmente “só”, transportando consigo ecos de vivências que projeta num disco onde só ele e o piano têm voz, mas pelo qual caminham ecos que tanto passam pela música de um Arvo Pärt (escute-se a extrema subtileza das notas e dos silêncios em A Curious Bloom) ou Bela Bartók (ou seja, por caminhos que não são os mais canónicos para um pianista de jazz), como por terrenos de um sentido de liberdade que reconhecemos num Herbie Hancock ou uma postura interpretativa (que inclusivamente não silencia a ocasional presença da voz), que lembra Keith Jarrett. Este Arborescence que assim floresceu numa só noite de trabalho transporta em si a essência não apenas da visão de horizontes largos de um pianista que vale a pena descobrir como toda uma história feita de um saber que não acredita também nas barreiras entre géneros musicais que tem na ECM um dos mais importantes faróis do nosso tempo. Há quem possa aderir por ser jazz e quem possa gostar mais ainda por achar que não se trata de um disco de jazz. Há, por seu lado, quem se possa deixar seduzir pelo piano de Aaron Parks por estar perto do piano clássico, mas também quem o vá aplaudir por não ser necessariamente coisa clássica... Lembra o célebre paradoxo que Philip Glass contava em entrevista para um documentário de Peter Greenaway em inícios dos anos 80... As boas ideias são muitas vezes assim... desconcertantes. O certo é que em Arborescence, que vinca claramente o forte sentido melodista deste pianista e também compositor e reafirma as suas qualidades interpretativas, temos não só a confirmação de Aaron Parks como um talento a acompanhar, a certeza de que é inquilino certo neste catálogo e, acima de tudo, uma das mais belas obras para piano solo dos últimos tempos.