segunda-feira, outubro 14, 2013

Below the Belt no Teatro Turim

1. Situado na Estrada de Benfica, mesmo em frente da Igreja de Benfica, o Teatro Turim, inaugurado em 2010, tem sido um espaço genuinamente alternativo, apresentando encenações que, de uma maneira ou de outra, tentam contrariar rotinas e rasgar novas paisagens de expressão e reflexão.

2. Actualmente (até ao dia 26 de Outubro), é possível ver no Teatro Turim a peça Danny e o Profundo Mar Azul, de John Patrick Shanley, um espectáculo do grupo Below the Belt, com encenação de John Frey.

3. John Frey é um actor/encenador americano que, há alguns anos, desenvolve em Portugal um trabalho de formação através do seu Studio for Actors, tendo como base a Técnica de Meisner (segundo Sanford Meisner) — Below the Belt surge como um prolongamento e diversificação desse trabalho, integrando alguns actores que foram alunos de John Frey, a par de outros que não passaram pela sua escola. Com várias participações em filmes portugueses, é um dos autores do argumento de Operação Outono, de Bruno de Almeida, há dias distinguido nos Prémio Sophia (melhor argumento adaptado).
Tiago Fernandes e Margarida Moreira
4. Danny e o Profundo Mar Azul é uma variação exemplar sobre uma matriz vital do teatro, e também de muito cinema, dos EUA: o par homem/mulher surge, aqui, como uma entidade em dramático ziguezague, entre uma sempre presente imaginação utópica e a crueza de um dia a dia de profundo desencanto afectivo (situado, por Shanley, no Bronx). Danny transporta uma violência que ele próprio não sabe entender, a não ser como uma necessidade perversa de afirmação; Roberta vive na ânsia de uma relação verdadeira que a possa resgatar de toda uma memória familiar contaminada por uma culpa omnipresente. E o mínimo que se pode dizer das composições de Tiago Fernandes e Margarida Moreira é que há neles uma vibração, uma vulnerabilidade e também uma precisão que impedem as suas personagens de cristalizar em estereótipos dramáticos, sociais ou morais. Vêmo-los, na mise en scène discreta e incisiva de John Frey, e sentimos que assistimos a um verdadeiro processo de revelação — de cada um para o outro, de cada um para si próprio, enfim, do par para o espectador. Num tempo em que o niilismo passou a ser, não uma possível atitude filosófica para lidar com as agruras do mundo, mas um rótulo mais ou menos chique e pretensioso, é bom encontrar, assim, um espectáculo que não descarta o factor humano — e que o faz a partir de uma serena exaltação da matéria mais nobre do teatro, quer dizer, os actores.

5. Enfim, Danny e o Profundo Mar Azul envolve também um muito especial sabor cinéfilo: deparamos com uma lógica de representação que, para além das lições de Meisner, é indissociável da herança de Konstantin Stanislavski, do Group Theatre e do Actors Studio. Dos filmes de Elia Kazan ou John Cassavetes. E mesmo que não houvesse mais nada, a cinefilia seria uma boa razão para ir ao Teatro Turim.