Continuamos a publicação de um texto sobre o Museu de Auschwitz-Bierkenau, que visitei recentemente e que foi originalmente publicado no suplemento Q. do DN sob o título ‘Como dar vida às memórias num antigo campo de morte’.
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A história do horror que se viveu em Auschwitz já passou pelo cinema, pela literatura, pela banda desenhada, pelas artes plásticas e pela música. Representações que nunca substituirão necessariamente o valor da memória que ganha ainda maior intensidade quando se está ali mesmo, onde tudo aconteceu. Por isso mesmo, ideia de criar ali um museu surgiu pouco depois do fim da guerra, levantada por uma série de antigos prisioneiros. Logo que lhes foi possível regressaram ao local do campo para proteger os edifícios que haviam sobrevivido e as ruínas. Por essa altura ali chegavam multidões em busca do paradeiro de entes queridos, para rezar e recordar as vítimas.
A exposição inaugural foi preparada com a ajuda de antigos prisioneiros e abriu as portas a 14 de junho de 1947 (precisamente sete anos depois da data do primeiro transporte de presos), perante cerca de 50 mil pessoas.
O Parlamento polaco designou nessa altura o museu como tendo a missão de salvaguardar o antigo campo, os seus edifícios e ambientes, juntar provas do que ali ocorreu, sujeitando-as a “um escrutínio científico” e tornando-as disponíveis para o público (11). Mas desde o início a expressão “museu” dividiu opiniões, havendo quem preferisse ver Auschwitz como um cemitério, um lugar de memórias, um monumento, havendo quem prefira até ver o que ali existe desde então como um memorial.
Cobrindo 191 hectares, o museu inclui os espaços de Auschwitz 1 e Birkenau, incluindo estruturas que foram desmanteladas entre finais de 1944 e inícios de 45 (muitas da barracas de madeira em Birkenau foram destruídas depois da libertação). Com entrada gratuita, o museu apresenta em Auschwitz 1 uma exposição que data dos anos 50, e que então substituiu a que ali foi originalmente apresentada em 1947. Esse projeto de musealização, ainda hoje visitável, criou um circuito dentro de alguns dos barracões onde viviam os prisioneiros. Ali nos é contado o papel de Auschwitz na história da II Guerra Mundial e da chamada “solução final”(12). Entrando e caminhando entre os barracões recordam-se imagens, números e documentos. E materializa-se a dimensão do horror numa sala onde vemos mais de três toneladas de cabelo retirado às vitimas depois de gaseadas. Noutras salas do mesmo bloco há pilhas e pilhas de sapatos que deportados deixaram nas salas dos crematórios, as malas que tinham consigo levado nos comboios (muitas delas com os nomes dos seus donos), panelas, pratos, próteses, escovas de barbear...
Já em Birkenau, apesar de um memorial junto aos crematórios 2 e 3 e de uma pequena exposição na “sauna” (como era designado o local onde os prisioneiros tomavam banho), resolveu deixar-se o campo como uma memória o mais exata possível daquilo que foi quando esteve operacional. Em 2005 além do espaço confinado pelo arame farpado, Birkenau juntou à área musealizada as duas célebres primeiras câmaras de gás (a casa branca e a casa vermelha) e a plataforma onde os comboios largavam os prisioneiros (antes do ramal que entrava no campo, construído apenas em 1944).
11 in 'Auschwitz Bierkenau – The Past and The Present', pág 13
12 Solução final – Expressão usada para definir o plano de extermínio da população judaica pela Alemanha nazi. A decisão de avançar para este plano terá tido tomada numa conferência em Wansee (em Berlim) e janeiro de 1942.