Digamos, para simplificar, que Cate Blanchett é uma das maiores actrizes contemporâneas. É bem verdade que as vestes brancas que usou para interpretar Galadriel na trilogia de O Senhor dos Anéis nada significam — um adereço vistoso não é o mesmo que uma actriz (ou um actor) a trabalhar. Mas composições como as de Babel (Alejandro González Iñárritu, 2006), Diário de um Escândalo (Richard Eyre, 2006) ou O Estranho Caso de Benjamin Button (David Fincher, 2008) bastariam para demonstrar, não apenas a versatilidade dos seus recursos, mas sobretudo a capacidade de instilar nas suas personagens um misto de evidência e enigma que nos faz olhá-la como quem contempla as infinitas configurações das ondas do mar — mesmo quando tudo parece repetir-se, nada é igual.
Creio que há três momentos que podem simbolizar o sentido de risco, e também o génio interpretativo, de Blanchett.
O AVIADOR (2004) |
O primeiro é, obviamente, a personagem de Katharine Hepburn em O Aviador, de Martin Scorsese. Ao interpretar uma figura lendária de Hollywood, Blanchett confronta-se com a possibilidade de o próprio mito sugar a sua performance, reduzindo-a a uma "ilustração" mais ou menos pueril. Não só tal não acontece, como deparamos com uma Hepburn de singular vulnerabilidade, num efeito que, mais do que desmistificação, funciona como um acréscimo de realismo.
I'M NOT THERE (2007) |
O segundo momento está em I'm Not There, de Todd Haynes, onde encontramos Blanchett a interpretar... Bob Dylan! Para além da prodigiosa, mas muito suave, imitação iconográfica, deparamos com uma espécie de exaltação abstracta da figura de Dylan, como se uma personagem fosse menos uma "reprodução" e mais o consumar de um conceito humano que nasce das convulsões da pessoa real.
BLUE JASMINE (2013) |
Enfim, temos o fabuloso Blue Jasmine, agora chegado às salas portuguesas. Woody Allen aposta numa reinvenção contemporânea da Blanche DuBois, de Um Eléctrico Chamado Desejo (que, aliás, Blanchett já interpretou em palco), gerando uma das mais admiráveis figuras femininas de toda a sua filmografia — dir-se-ia que a sua perdição física e social funciona também como reflexo perverso da decomposição corrente do mundo financeiro, lembrando-nos que, com mais ou menos máscaras burlescas, Woody Allen nunca deixou de ser um analista contundente do seu/nosso presente.