domingo, setembro 22, 2013
Bach pelos dedos de Keith Jarrett
É muitas vezes dos cruzamentos de linguagens que nascem algumas das melhores ideias na música, criando pontos de vista que muitas vezes transcendem a mera soma dos mundos que ali se encontram. E esta ideia é em tudo válida para compositores que juntam à sua obra referencias que vão bem para lá das barreiras de género (de um Bela Bartók a um Max Richter, por exemplo), levando assim à sua música espaços de liberdade que rompem convenções e muitas vezes alargam os horizontes da música do seu tempo e abrem porta a novos caminhos que outros depois ajudam a desbravar. Mas esta ideia do cruzamento de mundos é igualmente marcante também no campo da interpretação musical quando, perante uma partitura fixada, ao intérprete cabe o papel de eventualmente descobrir novas abordagens, por vezes destapando mesmo ressonâncias inesperadas entre a época em que a obra foi composta e aquela em que a escutamos. E não é preciso uma aventura instrumentalmente ousada e quase extremada, como a que Wendy Carlos aplicou sobre a música de Bach ou Handel em finais dos anos 60 e inícios dos anos 70, transportando peças do século XVIII para a idade das electrónicas. É certo que o piano não correspondeu ao objeto de trabalho de Bach. Mas a história da interpretação musical desde o advento do instrumento habituou-nos a escutar transcrições para piano de várias peças de Bach. O que aqui acontece é, antes, um encontro entre um pianista de jazz e uma série de obras de repertório clássico. E aí estão os mundos que uma vez mais se cruzam. Não é coisa inédita para Keith Jarrett, que não só gravou já para a ECM interpretações ao piano de obras de Shostakovich ou Mozart, como participou com Gidon Kremer na primeira gravação do já “clássico” Tabula Rasa de Arvo Pärt, como tem já uma vastíssima obra gravada em volta da música de Bach. Assim, e 26 anos do primeiro dos seis discos já editados com música de Bach (começou com os Prelúdios e Fugas para Cravo Bem Temperado, em 1987), eis que se junta a à violinista Michelle Makarski para, juntos, abordarem seis sonatas de Bach. As gravações datam de 2010, revelando uma clara fidelidade à partitura, mas expressando as qualidades interpretativas que fazem de Keith Jarrett um dos gigantes do piano do nosso tempo.