segunda-feira, setembro 09, 2013

A nudez de Miley Cyrus

I. Miley Cyrus tem graça... No sentido em que se empenha em ser engraçada. Faz lembrar o belo aforismo popular que nos garante que mais vale cair em graça do que ser engraçado. Há mesmo qualquer coisa de tocante na ânsia com que vai avisando o planeta de que cresceu, descobriu que não são as cegonhas que trazem os bebés, enfim, já nada tem a ver com a "Hanna Montana" que lhe deu fama nos tempos, afinal tão próximos, do seu trabalho nas produções Disney. Podemos mesmo aplicar-lhe a ternura gélida com que Roland Barthes se referiu, uma vez, às fotonovelas (esse antepassado "literário" das telenovelas): sa bêtise me touche...

II. Nos seus radiosos 20 anos, Miley Cyrus pensa (ou foi levada a pensar) que, neste devastado séc. XXI, habitado pela obscenidade gratuita e quotidiana de todos os excessos, a nudez poderá ser o cúmulo da invenção e o êxtase da provocação... Está bem acompanhada, como sabemos, já que há todo um estilo jornalístico (?) sem fronteiras, enraizado no imaginário do "escândalo", capaz de considerar a exposição de um mamilo um acontecimento que põe em causa a estabilidade deste mundo e do outro — e não estou a caricaturar, como é óbvio.

III. Assim, não lhe terá bastado a caricata encenação em bikini cor de pele (!) nos Prémios MTV, para mais sujeitando-se à condição de desastrada caricatura da energia criativa de Madonna. Aparentemente, também não lhe deram a ler ou não deu grande importância ao notável texto de Camille Paglia, na revista Time, falando do carácter "atroz" da sua performance e lembrando-lhe que, para lá da excelência artística, a formação católica da Material Girl lhe conferiu um genuíno "sentido de transgressão" — logo no título, com a contundência esquecida da pedagogia, Paglia aconselhava Miley Cyrus a "voltar para a escola".

IV. Agora, Miley Cyrus surge no teledisco de Wrecking Ball, realizado por Terry Richardson, e o menos que se pode dizer é que ela consegue a proeza pouco invejável — leia-se: profundamente reaccionária — de anular várias décadas de reinvenção e libertação iconográfica dos corpos (muito para além da afirmação do feminino), propondo uma farsa "erótica" em que, através da nudez reticente de um banal anúncio de gel de banho, ficamos a saber que as suas gloriosas provocações "adultas" se esgotam em cavalgar uma bola gigante de demolição ou, proeza transcendente, lamber (sic) um martelo de metal...


V. O problema não está (nunca esteve!) nos centímetros de pele que se mostram ou ocultam. Embora a questão suscite a gargalhada paternalista de alguns dos nossos comentadores políticos, são as narrativas que configuram, distinguem e fazem partilhar as visões do mundo — umas vezes gerando cumplicidades, outra instalando clivagens. E, pelo menos no caso de Wrecking Ball, Miley Cyrus celebra-se como figura patética, pateticamente "juvenil", de um conto pueril de desastrada cenografia, grosseiro simbolismo e incipiente montagem. A escola (e as suas memórias) é, de facto, uma boa sugestão: os meninos e as meninas precisam de aprender que express yourself dá muito trabalho.