Gilberto Gil é o protagonista do documentário Viramundo: uma viagem em que, implicitamente, estão em jogo as virtudes e limites da noção de "globalização" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Agosto), com o título 'Ser ou não ser global'.
Afinal, o que é a globalização? Um documentário como Viramundo, de Pierre-Yves Borgeaud, devolve-nos a pergunta através da experiência muito particular de Gilberto Gil. A sua “jornada musical” desenha um triângulo simbólico (Brasil, Austrália, África do Sul) que ilustra esse conceito segundo o qual passámos a habitar um mundo em que se diluíram as clássicas fronteiras culturais e tecnológicas, abrindo radiosas perspectivas de comunicação.
Não quero menosprezar a candura do trabalho de Borgeaud, muito menos o facto de Viramundo nos proporcionar alguns magníficos momentos musicais, nascidos, justamente, do envolvimento de Gilberto Gil com os músicos que vai encontrando. Ainda assim, para além desses momentos, o documentário mais não consegue do que deixar no ar uma noção “ecuménica” de comunicação não muito diferente daquela que encontramos em formas banais de jornalismo ou nos anúncios da Coca-Cola (sem esquecer que, com frequência, estes anúncios possuem uma riqueza formal que, aqui, nunca encontramos).
O que está em causa é o facto de, na sua boa vontade, a utilização corrente da noção de globalização postular uma “igualdade” popular que ignora as especificidades de cada contexto ou personagem. Há mesmo todo um discurso de raiz esquerdista, derivado do imaginário comunista, que passou a existir como “esperanto” mediático que ninguém contesta ou interroga. Seria abusivo pedir a um único filme (Viramundo ou outro) que contivesse um programa de reflexão para tão complexo novelo de questões, a começar pela mais dramática: como ligar, cinematograficamente, o “aqui” e o “algures”? Jean-Luc Godard já o fez, de modo fulgurante, no bem chamado Ici et Ailleurs – foi há 37 anos, mas não se pode esperar que o mundo do cinema siga o calendário “godardiano”.