terça-feira, julho 09, 2013

Vítor Gaspar & Alberto Sordi

Uma Vida Difícil (1961)

Será que Vítor Gaspar tem alguma coisa a ver com Alberto Sordi? Apenas o facto de a noção de "vida difícil" não ser estranha a um e a outro... Este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Julho), com o título 'Vítor Gaspar e a nossa vida difícil'.

Cada vez é mais difícil encontrar espaços para pensar as imagens de televisão em Portugal. A maioria dos nossos políticos tem uma visão instrumental das linguagens televisivas, eventualmente preocupando-se com o tempo de antena dos comentadores das várias tendências, mas assistindo de boa consciência aos horrores da “reality TV” (nalguns casos considerando mesmo que um grande filme ou um admirável concerto podem ser perigosos desvios “elitistas”). Além do mais, somos geridos por um calendário jornalístico de urgências e catástrofes que transforma o quotidiano numa burlesca fuga ao apocalipse.
Observe-se o estado das coisas. Durante meses, assistimos à construção de uma imagem diabólica de Vítor Gaspar, através de um método que duplicou o que aconteceu, há dois anos, com José Sócrates. E não se trata, aqui, de problematizar as directrizes, certamente polémicas e discutíveis, do trabalho político de um e outro. Trata-se, isso sim, de questionar as linguagens televisivas que fazem com que Gaspar seja retratado como o diabólico causador de todos os nossos males para, em 24 horas, desaparecer do mapa... Literalmente: Paulo Portas demite-se e, como numa má comédia italiana, a figura de Gaspar evapora-se de todas as reportagens “em tempo real” e de todas as “análises” políticas. Mais do que isso: no discurso de vários comentadores, vão-se insinuando complexas elucubrações “psicanalíticas” sobre o perfil emocional de Portas e o seu dramático choque com o perfil de Passos Coelho.
Estamos em plena telenovela política. Uma ideologia televisiva que tende a suprimir o tempo de reflexão não poderia produzir outros resultados. Repare-se como muitos directos passaram a ser anunciados já com uma galeria de comentadores sentados em estúdio; mal o directo acaba, “passamos à análise”... No limite, é a própria noção de tempo que desaparece, apenas se construindo uma ilusão de continuidade que não pode ser interrompida a não ser pela publicidade.
Ninguém pode sobreviver a este desgaste televisivo. Nem Gaspar, nem Sócrates, nem um génio iluminado. Ninguém. É um sistema de “comunicação” que privilegia a agitação contra o simples gosto de parar para pensar. Por exemplo, quando um repórter faz o chamado “rodapé” das palavras que um político acabou de pronunciar, que acontece? Um apagamento dessas palavras através da sua perversa repetição.
Assim, face a uma pergunta, num gesto de pura sinceridade, um político pode dizer apenas “não sei responder”. Será que o ansioso repórter não compreende que, ao proclamar, cinco segundos depois, que fulano de tal “não sabe responder” à pergunta que lhe fizeram, está a introduzir uma derivação dramática que o discurso inicial não continha? Recomendo uma comédia italiana, a sério. Por exemplo: Uma Vida Difícil (1961), de Dino Risi, com Alberto Sordi. Talvez passe num canal de televisão...