Ainda há filme(s) histórico(s)? Face a Imperador, de Peter Webber, a resposta só pode ser afirmativa: o género resiste e, sobretudo, resiste a diluir-se na rotina dos "blockbusters" — estes textos forma publicados no Diário de Notícias (30 Junho), com os títulos, respectivamente, de 'Recordando o Japão depois das bombas atómicas' e 'Elogio do filme histórico'.
O menos que se pode dizer de um filme como Imperador, de Peter Webber (em exibição), é que corresponde a um modelo clássico cuja presença na produção corrente dos EUA se tornou muito irregular. De facto, não estamos perante uma evocação dos combates da Segunda Guerra Mundial, com maior ou menor recurso a técnicas de efeitos especiais. Trata-se de revisitar uma conjuntura muito precisa em que, afinal, os confrontos militares tinham acabado.
Tudo se passa nas semanas que se seguiram ao lançamento das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki (6 e 9 de Agosto de 1945, respectivamente). Sob a direcção do general Douglas MacArthur, os americanos ocupam o Japão, rapidamente compreendendo que o destino a dar ao Imperador Hirohito é a pedra de toque, não apenas das futuras relações diplomáticas EUA/Japão, mas da própria reconstrução da sociedade japonesa. Em boa verdade, receiam que o julgamento de Hirohito como criminoso de guerra possa desencadear fenómenos de instabilidade social, incluindo mesmo suicídios em massa – importa recordar, a esse propósito, que de acordo com a tradição nipónica o Imperador gozava ainda de estatuto divino.
Tomando como ponto de partida o livro His Majesty’s Salvation, de Shiro Okamoto, o filme de Webber centra-se no trabalho do general brigadeiro Bonner Fellers, encarregado por MacArthur de, num prazo relativamente curto (dez dias), investigar quais os responsáveis políticos e militares pela entrada do Japão na guerra e, em particular, qual o nível de responsabilidade de Hirohito em tal decisão. Nesta perspectiva, pode dizer-se que Imperador é menos um típico filme de guerra e mais um estudo psicológico de um contexto de muitas nuances ideológicas, militares e simbólicas. E tanto mais quanto a história envolve as memórias da ligação amorosa de Fellers com uma mulher japonesa.
Trunfos fundamentais do filme são os seus dois protagonistas: o veterano Tommy Lee Jones e Matthew Fox (vedeta da série televisiva Lost - foto de abertura), respectivamente como MacArthur e Fellers. Rodado em grande parte na Nova Zelândia, Imperador teve a sua apresentação internacional do Festival de Toronto de 2012. Para o inglês Peter Webber, esta terá sido uma das mais ambiciosas produções que teve a seu cargo, surgindo na sua filmografia depois de Hannibal – A Origem do Mal (2007); recorde-se que a sua estreia cinematográfica ocorreu com um retrato íntimo de Vermeer, protagonizado por Colin Firth e Scarlett Johansson, em Rapariga com Brinco de Pérola (2007).
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É bem verdade que, há poucas semanas, um dos grandes acontecimento do mercado cinematográfico se chamou... Lawrence da Arábia! Que é como quem diz: um exemplo de excelência do grande espectáculo, reposto em cópia nova meio século depois do seu lançamento. Seja como for, há que reconhecer que o contexto comercial não favorece tais redescobertas: as lógicas mais rotineiras do marketing sobrepuseram-se ao gosto da inteligência cinéfila, promovendo as noções mais estereotipadas de “super-heróis” e “efeitos especiais”, ao mesmo tempo que menosprezam as heranças da nobre arte da narrativa.
Neste contexto, um filme como Imperador, realizado por Peter Webber [foto], faz figura de marginal. Estranha condição, sem dúvida, sobretudo se considerarmos que nele se aposta na possibilidade de regressar a um modelo consagrado de evocação histórica em que a chamada “reconstituição da época” se combina com componentes muito específicas do drama e do melodrama. Isto para já não falarmos da presença de actores tão emblemáticos como Tommy Lee Jones ou Matthew Fox.
Webber consegue refazer as subtis texturas dos épicos de John Ford ou David Lean? Não, não consegue, o seu empenhado labor não possui a riqueza dos mestres. Mas também não é essa “comparação” que está jogo. O que importa sublinhar é o facto de a evocação das atribulações políticas em torno da figura do Imperador Hirohito, em 1945, nos mostrar, com serena eloquência, que a tradição do filme histórico, com mais ou menos derivações melodramáticas, não está perdida. Além do mais, Imperador é um objecto que, sem pompas gratuitas, actualiza uma verdade rudimentar, tantas vezes esquecida: o exercício político envolve a capacidade de fazer passar mensagens e imagens. Não necessariamente por esta ordem.