segunda-feira, julho 15, 2013

Novas edições:
Pet Shop Boys, Electric

Pet Shop Boys
“Electric”
Kobalt / Popstock
5 / 5

É frequente ouvirmos dizer que este ou aquele músico (ou banda) regressou às origens. O chamado “back to the basics”, como se costuma dizer em inglês (a língua franca da música pop). Aconteceu, por exemplo, quando os U2 voltaram a trabalhar, em How to Dismantle an Atomic Bomb (2004), com o produtor Steve Lillywhite com o qual haviam gravado o álbum de estreia, Boy, em 1980. Aconteceu também quando, em 2005, Madonna recuperava, em Confessions on a Dance Floor, ecos de memórias da música de dança da Nova Iorque de inícios dos anos 80 (onde registou o seu álbum de estreia, editado em 1983). Ou, em 2010 com os Duran Duran, quando retomaram em All You Need Is Now as sonoridades do seu clássico Rio, de 1982. Falar num regresso às origens para os Pet Shop Boys implica pensar num reencontro com as memórias de uma histórica viagem a Nova Iorque em 1983 que moldaria o seu som e definiria o curso da linguagem pop do grupo que só um ano depois lançaria um primeiro single. É precisamante isso o que acontece em Electric, o novo disco do duo que surge um ano depois de Elyseum, mas segue por caminhos completamente diferentes, celebrando, acima de tudo, o fulgor pop que pode brotar da música de dança.

Mas comecemos por viajar no tempo. Estávamos em 1983 e Neil Tennant (hoje o vocalista dos Pet Shop Boys), que trabalhava como jornalista musical, era então enviado pela revista Smash Hits a entrevistar os Police em Nova Iorque. Admirador, tal como Chris Lowe (o teclista do grupo, que conhecera dois anos antes em Londres), do som hi-nrg que então se dançava na noite nova-iorquina – e que na mesma altura inspirou as mudanças de rumo na música dos New Order –, Neil resolveu contactar Bobby Orlando. Produtor de referência nos espaços do hi-nrg, Bobby Orlando aceitou o convite. Reza a mitologia que almoçaram bolo de cenoura e um cheeseburger, que Neil passou a Bobby uma cassete com uma maquete e, um ano depois, uma primeira versão de West End Girls surgia em disco...

É precisamente sob o signo do hi-nrg e de um encanto com a música de dança, que sempre foi transversal à obra pop dos Pet Shop Boys, que lançam agora em Electric um disco que em tudo contrasta com as tonalidades mais introspetivas e melancólicas de Elyseum.

Tal como Very (1992) respondeu com euforia pop ao introspetivo Behaviour (1990), também este novo disco (produzido pelo mesmo Stuart Price que trabalhou em Confessions on a Dance Floor de Madonna) propõe idêntica lógica de contraste com Elyseum, concluindo com o monumento pop de Yes (2009) o mais gourmet trio consecutivo de álbuns da já extensa obra do grupo.

Axis, que abre o alinhamento e Inside a Dream são as mais evidentes expressões de heranças hi-nrg, cabendo contudo a Thursday a mais direta janela de comunicação com o seu próprio passado, evocando linhas de percussão e registos eletrónicos que lembram os dias de West End Girls. A música de dança domina o alinhamento, expressando mesmo uma incursão pelo techno em Shouting In The Evening. Mais subversiva será a leitura, segundo registos próprios da pop eletrónica atual, de The Last To Die, versão de um original de Bruce Springsteen (do álbum Magic, de 2007). Verdadeiro festim de dança sob ferramentas eletrónicas, o álbum tem um instante de tréguas em Fluorescent, canção mid-tempo que recorda teclados analógicos de inícios dos anos 80 (em concreto com sabor clássico aos discos dos Visage).

O alinhamento de Electric volta a assinalar um episódio de ligação da pop dos Pet Shop Boys com a música clássica. Em 1988 tinham citado Debussy em Left To My Own Devices. Há um ano, Hold On integrava elementos de uma obra de Handel. Agora, em Love Is a Bourgeois Construct, constroem um tema pop sobre elementos de Crashing Sheep is Best Left to Shepards de Michael Nyman (na verdade construído sobre ressonâncias da música de Purcell), aprofundando um diálogo entre o presente e um passado anterior à alvorada da cultura pop que poucos sabem encarar de forma tão eloquente e sábia.

Após 28 anos de ligação com a editora EMI, Electric assinala agora, e da melhor forma, o início de nova etapa editorial para um dos mais sólidos e marcantes dos grupos nascidos em clima pop nos anos 80.





PS. Este texto foi originalmente publicado na edição do DN de 9 de julho com o título ‘Um hino à música de dança com assinatura dos Pet Shop Boys’.