quarta-feira, julho 03, 2013

Novas edições:
Kanye West, Yeezus

Kanye West 
“Yeezus” 
Def Jam / Universal 
4 / 5


Há discos que nascem como experiências inesperadas, que desviam caminhos, abrem horizontes. Yeezus, o sexto álbum de Kanye West em nome próprio pode parecer à partida um destes casos de rutura, mas na verdade assenta a (bem sólida e ousada) proposta de uma nova experiência sob uma série de fundações assentes sobre a própria obra anterior do músico. Procurando ideias em rotas bem distintas das que em 2010 o conduziram ao magistral My Beautiful Dark Twisted Fantasy (que até ver é o grande disco de hip hop depois da viragem do milénio), Kanye West optou por regressar a uma relação mais próxima com as eletrónicas que explorara no anterior 808s & Heartbreak, porém onde havia melancolia e polimento doseia agora angulosidade e uma mais evidente tensão. Conta a “narrativa” que acompanhou a chegada do disco que, mais que a música, foi a arquitetura e o design quem verdadeiramente inspirou este álbum. Em concreto falou-se em Le Corbusier e numa peça exposta no Louvre. Um certo geometrismo que define as linhas que sustentam as novas composições e a presença evidente de heranças tanto da cultura house (recuando à sede das genéticas primordiais de Chicago) como das eletrónicas industriais e de serviço a novas expressões da música de dança definem de facto as estruturas sobre as quais se edifica um disco que transporta mais uma tom de desafio à la Achtung Baby (sem ter porém a atenção para com um certo gosto transversal, de dimensão mainstream, que encontrávamos em vários momentos desse disco dos U2) que uma ideia de mudança para novo território de um Kid A.. Mais que a composição (e decididamente mais que as letras, o elo menos forte do disco) Yeezus é sobretudo uma estimulante experiência sónica. Sob uma lógica de contenção (por vezes quase espartana), e recorrendo essencialmente a eletrónicas (mais o ocasional sample enriquecido em outras mais fontes instrumentais), o álbum digere heranças da house, ocasionais ecos de genéticas jamaicanas e até mesmo do rock (escute-se Black Skinhead e sinta-se uma pulsão que remonta aos dias do glam). Laboratório de ensaios e experiências, este é também um espaço que em tudo reflete as presenças que convoca no departamento das colaborações, envolvendo entre outros nomes como os de Frank Ocean, Kid Cudi, Justin Vernon e, entre muitos mais, os Daft Punk (presentes na equipa de escrita mas assinado também a produção de alguns dos temas). As pontes entre as eletrónicas e a cultura house que os Daft Punk e a figura tutelar (e talvez algo inesperada) de Rick Rubin tão bem ajudam a catalizar assumem-se assim como uma presença central num disco que não deixa nunca de ter presente que é em espaço hip hop que todos estes encontros ganham forma. O álbum traduz uma vontade de ensaiar visões, que quase poderíamos sugerir como no plano da ficção científica. O hip hop do futuro?... (ainda é cedo para tirar conclusões. Porém não volta as costas ao passado, fazendo-o tanto pelo modo como integra ecos das culturas que assimila como pelas referências mais explícitas que promove a outros nomes e outras épocas através de samples como, por exemplo, aquele em que Nina Simone ajuda a transportar a sua leitura de Strange Fruit para Blood on the Leaves. Experiência eminentemente estética, Yeezus mantém o tom ego-centrado e auto-celebratório que já conhecíamos em Kanye West. Usa a palavra “God” (Deus) sem olhar a austeridades. Mas no fundo não faz mais senão citar uma das realidades mais presentes desde sempre na história da música.