domingo, junho 23, 2013

Que é feito da herança de Walt Disney?

Como é que uma óptima ideia chamada Monstros & Companhia (2001) pode ser transformada num produto tão banal como Monstros: Universidade? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Junho), com o título 'Quem se lembra de Walt Disney?'.

Que os estúdios Pixar possuem uma energia criativa original, habitada por subtis emoções, prova-o a maravilhosa curta-metragem que antecede o filme Monstros: a Universidade. Chama-se The Blue Umbrella e nela se conta a história de um amor “à primeira vista” vivido num dia de muita chuva por dois... guarda-chuvas! Infelizmente, o filme de fundo parece apenas apostado em destruir o encanto e subtileza do primeiro, Monstros & Companhia, lançado em 2001.
A sugestiva ideia central continua lá: a comunidade dos monstros que estudam para assustar as crianças, já que os gritos infantis são a sua essencial fonte de energia... Mas tudo nasce de uma máquina trituradora que confunde acção com “aceleração”, aplicando uma agressiva banda sonora que parece saída de uma barulhenta saga de super-heróis. Aliás, não deixa de ser preocupante que se confunda a violência sonora com a arte de seduzir os espectadores infantis.
Fica, assim, uma sensação de desperdício criativo, no caso português agravado pela banalidade da dobragem. É verdade que a questão envolve temas delicados (incluindo a criação de postos de trabalho para os actores) que estas breves linhas não querem escamotear. Em qualquer caso, não é possível dar voz a bonecos que, na verdade, foram desenhados para... outras vozes (e, normalmente, desenhados, não antes, mas depois da gravação dessas vozes). Além disso, quase sempre falta densidade aos diálogos, como se estivéssemos a ouvir um conjunto de esforçados actores a debater-se no interior de uma cabine telefónica... Fica uma lição cruel: agora que a Pixar integra o universo Disney, talvez seja altura de os seus criadores começarem a rever os DVD de Pinóquio, Bambi ou Dumbo. Heranças tão nobres nada têm a ver com a ideologia dos “blockbusters”.