terça-feira, junho 04, 2013

Malick: cinco fotogramas (5)

Podemos percorrer os fotogramas de To the Wonder/A Essência do Amor, de Terrence Malick, como um mapa carnal e simbólico — a mise en scène está nos detalhes.

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Há toda uma mitologia "pictórica" do cinema que tende a favorecer uma ideia simplista: o cinema ganharia grandeza, porventura dignidade, quando se aproxima de padrões de composição (escala, figura, cor, etc.) que possamos remeter para alguma(s) referência(s) da pintura. Ora, escusado será dizer que não se trata de recalcar a ligação de muitos e importantes cineastas, de Vincente Minnelli a Terrence Malick, aos mais diversos modelos da pintura. Acontece que aquela visão "imitativa" dos filmes passa ao lado do essencial. A saber: em cinema, a paisagem existe, não como mero "quadro", mas também como duração. No caso de Malick, podemos acrescentar: a medida do tempo é indissociável do modo como as personagens se inscrevem no contexto paisagístico. Ou ainda: a paisagem não é um mero receptáculo, "bonito", mas uma configuração do espaço que só adquire pertinência e intensidade a partir das vivências mais íntimas das personagens. Daí que To the Wonder seja um filme em que todas as escalas se baralham e relativizam: o espaço aberto de uma planície pode corresponder a um hiato emocional intensamente interior, do mesmo modo que o grande plano de um rosto pode abrir o filme para uma dimensão galáctica. Encontramos, assim, um dos mais fascinantes paradoxos do mais radical cinema moderno: a obsessão realista do detalhe pode estar ao serviço de uma exuberância operática que já não se deixa medir por medidas meramente humanas — ou ainda: o factor humano é aquilo que não cabe dentro de si.
JEAN-BAPTISTE CAMILLE COROT
Floresta de Fontainebleau, 1846
VINCENT VAN GOGH
Campo de Trigo com Ciprestes, 1888
PAUL CÉZANNE
Mont Sainte-Victoire, 1904