7 de Junho de 2013 |
Eis uma manchete que pode servir de esclarecedor exemplo dos discursos jornalísticos que encenam a figura de Cristiano Ronaldo como, literalmente, um salvador da pátria. Mais do que nunca, importa questionar os efeitos simbólicos de tais discursos, não apenas nos jornais, mas também no espaço televisivo — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (14 Junho), com o título 'Na pátria do futebol'.
1. Há toda uma demagogia instalada contra o cinema português que proclama que os nossos filmes ganham prémios lá fora, mas... não valem nada! Na prática, isso significa que, gostando mais ou gostando menos de cada filme, quase ninguém reflecte sobre a implementação de políticas culturais que saibam utilizar de forma positiva tal reconhecimento.
No futebol, o imaginário televisivo vive há muito dominado por uma mitologia de sinal contrário: assim, a selecção portuguesa continua a não ganhar nada, mas... somos os melhores do mundo!
Foi, por isso, com algum alívio que escutei vozes como as de Rui Santos, Ribeiro Cristóvão e David Borges (SIC Notícias), fazendo o balanço do Portugal-Rússia. Ao chamarem a atenção, sucessivamente, para a “degradação de qualidade” de uma “equipa sem grande ambição” que fez uma “exibição decepcionante”, os seus pontos de vistas permitiram, pelo menos, contrabalançar o primarismo de todo um ambiente triunfalista que se enraíza, entre outras coisas, na representação de Cristiano Ronaldo como salvador da Pátria (além do mais, ofendendo a dignidade profissional de todos os outros jogadores, assim reduzidos a figuras meramente decorativas).
Num país em que o escrutínio das figuras públicas obedece, não poucas vezes, a processos de grosseira manipulação moralista, há que reconhecer que Paulo Bento é a excepção que confirma a regra: quanto pior joga a selecção portuguesa, menos se fala sobre as suas opções de jogo, estratégia e táctica. Ainda bem para ele.
2. Na apresentação de José Mourinho como treinador do Chelsea, foi quase sempre secundarizada a sua observação sobre a imprensa inglesa: “Vocês não são os piores.” Vale a pena explicitar aquilo que ele, com serena elegância, achou por bem não empolar: durante o seu trabalho à frente do Real Madrid, o comportamento de vários sectores dos meios de comunicação espanhóis foi de uma escandalosa grosseria. Ao contrário do que é uma crença corrente, creio que a chamada de atenção para tais abusos só pode reforçar as qualidades globais da profissão jornalística.