Uma alternativa possível: juntar três curtas-metragens e fazer um programa de cinema, isto é, um modelo de sessão no circuto comercial — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Maio).
Subitamente, três curtas-metragens portuguesas podem ser vistas no circuito comercial das salas de cinema. São elas: Sinais de Serenidade por Coisas sem Sentido, de Sandro Aguilar, deambulação intimista assombrada pela presença insólita da natureza; As Ondas, de Miguel Fonseca, crónica de duas raparigas perante o enigma do mar; Solo, de Mariana Gaivão, odisseia dramática de uma mulher perdida no combate a um fogo de Verão.
Sinais de Serenidade por Coisas sem Sentido |
Será que o seu conjunto define uma estética própria? Ou talvez apenas um universo temático comum? Creio que não. Se quisermos “forçar” um pouco o simples facto de, em conjunto, os três pequenos filmes dialogarem entre si, talvez possamos dizer que todos eles denotam uma paciente atenção aos elementos naturais, desde a beleza das árvores até à crueza da terra queimada, passando pela imensidão do oceano. Seja como for, sentimos aqui uma evidente pluralidade de sensibilidades e experiências, porventura unidas pelas singularidades visuais dos formatos digitais (a direcção fotográfica tem assinatura, pela ordem citada, de Rui Xavier, Mário Castanheira e Vasco Viana).
As Ondas |
O mais importante, creio, é a valorização dessa diversidade e, sobretudo, o facto de ser possível descobri-la ou redescobri-la no contexto específico de uma sala escura. Os três títulos integraram o programa do festival Curtas Vila do Conde (2012), tendo sido produzidos por Luís Urbano e Sandro Aguilar, com chancela da empresa O Som e a Fúria (que lançou, o ano passado, O Gebo e a Sombra, de Manoel de Oliveira). A sua estreia traduz, na prática, uma discreta excepção para uma regra que, infelizmente, persiste: há um volume assaz significativo de curtas-metragens feitas em Portugal que, em muitos casos, não conseguem chegar a ser exibidas.
Solo |
Há várias maneiras tradicionais de lidar com este problema: os filmes não seriam exibidos porque não são “bons”; a sua divulgação está limitada por distribuidores e exibidores “desinteressados”, etc. Infelizmente, argumentações desse género conduzem, quase inevitavelmente, à consagração de uma galeria moralista de “bons” e “maus” que, há muitas décadas, contraria a simples avaliação de muitos problemas reais.
Pela positiva, talvez seja útil recordar que a experiência de vários festivais de cinema (que também importa não mitificar) mostra que há franjas de público genuinamente interessadas nas curtas-metragens portuguesas. É um sinal que, no mínimo, nos permite perceber que pode haver vias de amostragem que vale a pena avaliar e, eventualmente, explorar. O caso destas três curtas-metragens de O Som e a Fúria envolve, assim, um modelar valor simbólico. Sugerindo, aliás, que se volte a pensar na mais clássica das alternativas: porque não apostar, de vez em quando, com critérios razoáveis, na integração de uma curta-metragem como “complemento” de uma longa? Uma coisa é certa: filmes não faltam.