David Bowie
“Zeit! 77-79”
EMI Music
5 / 5
Quando, na manhã de 8 de janeiro deste ano, acordámos ao som de Where Are We Now? (e da primeira nova canção de David Bowie em dez anos) muitos de nós reparámos na quantidade de memórias concretas de Berlim que passavam pela letra da canção. Memórias de lugares onde o músico viveu o dia a dia de uma etapa de reencontro consigo mesmo, após a verdadeira assombração de dependência e solidão que terá representado o período em que viveu em Los Angeles em meados dos anos 70 e que teve como última expressão discográfica o álbum Station To Station, pelo qual passavam já sugestões de um foco de interesses com sede alemã (nomeadamente nos primeiros sinais de assimilação das electrónicas, eco direto da descoberta da música dos Kraftwerk e outros novos nomes de uma cena emergente que teria expressão global pouco depois). Em Berlim Bowie redescobriu uma tranquilidade e um quase anonimato que lhe parecia impossível numa outra grande cidade ocidental depois do estatuto para o qual o havia catapultado o sucesso pós-Ziggy. A multiculturalidade que se respira nas ruas da cidade, o pequeno enclave de liberdade e visões então com muro em volta, um espaço de mentalidades abertas e casa de muitos artistas, Berlim foi a sua nova casa durante grande parte da segunda metade dos anos 70. Ali encontrou um apartamento, igual ao de tantos outros berlinenses, no bairro de Shoenberg (no mesmo edifício onde também então morou Iggy Pop, um dos seus grandes colaboradores nesta etapa). Entre a vivência na cidade e a sua relação com os jovens berlinenses (de que o livro Christian F dá conta) Bowie respirou o clima que marcaria uma das mais criativas etapas da sua obra discográfica, que registaria numa série de três álbuns – Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1979) – habitualmente descrita como a “trilogia berlinense”. Na verdade, apenas Heroes foi integralmente concebido e gravado em Berilm, registado nos hoje míticos Hansa Studios (na época a paredes meias com o muro, a poucos metros da outrora desolada Potsdamer Platz). Low na verdade nasceu entre os estúdios do Château d’Herouville (os mesmos onde gravaram Sérgio Godinho e José Mário Branco) em França e Berlim. E Lodger foi gravado entre estúdios em Montreux (Suíça) e Nova Iorque. Sob produção de Tony Visconti, com a colaboração intensa de Brian Eno, cuja presença se evidencia no profundo trabalho cénico com sintetizadores e nos vários ensaios mais experimentais (com expressão maior no superlativo lado B de Low, integralmente instrumental) e as participações não menos relevantes de nomes como Robert Fripp (a guitarra em Heroes é peça marcante na obra de Bowie), Carlos Alomar ou Adrian Blew, estes três discos não só alargaram horizontes na obra de Bowie como lançaram importantes pistas para ideias que muitos assimilariam, podendo encontrar-se aqui a proto-história de muita da melhor música pop que se escutaria em clima new wave na alvorada dos oitentas. Zeit! 77-79 é assim uma coleção de momentos decisivos na discografia de Bowie. Não só junta os três álbuns desta etapa, como a eles soma a presença do duplo álbum ao vivo Stage lançado em 1978 e que documenta (agora sob alinhamento que respeita a verdade dos concertos de então) a histórica Isolar Tour que acompanhou o lançamento de Low e Heroes.