Através do filme Esquecido/Oblivion, Tom Cruise tenta manter a sua imagem de herói mais ou menos juvenil. Será que tal opção continua a fazer sentido? — estes textos forma publicados no Diário de Notícias (13 Abril) com os títulos, respectivamente, 'Ter ou não ter 50 anos' e 'Tom Cruise protagoniza aventura de ficção científica'.
Tom Cruise é o brilhante actor que representou um veterano da guerra do Vietname (Nascido a 4 de Julho, 1989), um homem enredado na teia do seu próprio desejo (De Olhos Bem Fechados, 1999) ou um senador a tentar sobreviver nos labirintos do poder (Peões em Jogo, 2007). Dito de outro modo: há nele um sentido de risco que o tem levado a compor personagens profundamente heterodoxas, mesmo quando partem de clichés mais ou menos identificáveis. E, no entanto, a imagem de marca de Cruise continua a ser a do agente Ethan Hunt, da série Missão Impossível: um aventureiro enigmático, desafiando sempre os seus limites físicos.
Daí a pergunta: como gerir essa imagem depois de ter comemorado 50 radiosas primaveras? É verdade: Cruise nasceu a 3 de Julho de 1962 e continua a fazer filmes como Esquecido, de Joseph Kosinski, em que, com juvenil e empenhada energia, se vê coagido a enfrentar misteriosos “aliens” e, claro, salvar o planeta Terra.
Obviamente, os problemas estruturais de Esquecido nada têm a ver com o bilhete de identidade de Cruise. O filme de Kosinski exemplifica mesmo essa contradição muito actual de um cinema de sofisticada tecnologia (as paisagens apocalípticas que descobrimos durante a primeira meia hora são incríveis) que parece ter secundarizado a velha e decisiva questão da consistência dos argumentos (a ponto de a “resolução” da história, nos últimos cinco minutos, parecer um remendo apressado). Seja como for, fica a sensação de que Cruise, sempre na linha da frente de Hollywood, ser também um dos seus talentos mais sub-aproveitados. Lição a recordar: com o notável Bronco Billy, Clint Eastwood fez um filme sobre o fim das lendas do velho Oeste, dizendo-nos que reconhecia o seu envelhecimento. Foi em 1980, Eastwood tinha... 50 anos!
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São muitos os filmes de ficção científica que, ao longo das décadas, têm explorado os cenários assombrados de um futuro mais ou menos distante em que extraterrestres, máquinas e outras entidades superaram a humanidade. Para nos ficarmos por dois dos exemplos mais célebres, recordemos O Homem que Veio do Futuro (1968), de Franklin J. Schaffner, em que um astronauta, interpretado por Charlton Heston, descobre um planeta dominado por macacos, e THX 1138 (1971), de George Lucas, retratando uma sociedade em que o desejo sexual foi suprimido e a manutenção da ordem está entregue a polícias andróides.
O novo filme com Tom Cruise, Esquecido, é mais um descendente dessa temática, com uma componente trágica que altera toda a sua cenografia. Assim, na sequência de uma invasão alienígena, a Terra está praticamente destruída; sessenta anos passados sobre a catástrofe, os sobreviventes foram transferidos para uma lua de Saturno, de tal modo que para trás ficaram apenas os que vão explorando as formas de energia marítima e as patrulhas que os protegem. Cruise, precisamente, interpreta um dos líderes dessas patrulhas, o comandante Jack Harper, assombrado por memórias daquela que foi sua mulher (Olga Kurylenko): será que essas memórias correspondem a algo de palpável ou não passam de uma ilusão impossível de reencontrar?
Há no filme um espírito de aventura que, pela sua elaborada iconografia de grandes espaços desertos, podemos associar a modelos típicos da banda desenhada. E não é, obviamente, por acaso: Esquecido baseia-se numa novela gráfica (não publicada) que o próprio realizador, Joseph Kosinski, escreveu em colaboração com Arvid Nelson. Através de um processo típico da indústria de Hollywood, os direitos de adaptação foram disputados por vários estúdios. Foi a Disney que começou por deter esses direitos, apostando em prolongar a sua colaboração com Kosinski que para eles tinha dirigido Tron: o Legado (2010), sequela do lendário Tron (1982), sobre o poder dos computadores. O certo é que, reconhecendo que a temática envolvia elementos que tornavam difícil fazer de Esquecido um filme “para toda a família”, os executivos da Disney abandonaram o projecto, cedendo os direitos à Universal Pictures.
A elaborada concepção dos cenários apocalípticos exemplifica a fulgurante evolução das técnicas de manipulação digital, nomeadamente através da criação de uma paisagem novaiorquina em que a maior parte das construções estão soterradas, não deixando ver mais do que alguns metros do bico do Empire State Building. Daí que seja inevitável destacar a contribuições de Darren Gilford, principal responsável pelo visual do filme, e Claudio Miranda, director de fotografia. Podemos mesmo considerar que Miranda, americano nascido em Santiago do Chile, se perfila como um dos técnicos a ter em conta na evolução das imagens em cinema, uma vez que, há poucas semanas, recebeu o Oscar de melhor fotografia pelo seu trabalho em A Vida de Pi, de Ang Lee.