segunda-feira, abril 01, 2013

Fotogramas de Hitchcock (1/10)

Proposta de leitura e fruição: revisitar Alfred Hitchcock a partir dos seus fotogramas — este texto foi publicado no nº6 da revista Metropolis; os fotogramas citados estão disponíveis em The Alfred Hitchcock Wiki.

Há um método (nada científico, hélas!) para avaliar a densidade de uma obra artística. Consiste em decompô-la em fragmentos cada vez mais finos e observar o resultado. O mestre, se o houver, é aquele que, em cada parcela do seu labor, inscreve sempre qualquer coisa que remete para a pluralidade do todo. Ou melhor: tudo se passa como se o fragmento fosse, não um detalhe ínfimo desse todo, mas uma espécie de condensação formal e filosófica dos temas, tensões e narrativas que circulam pela paisagem global.
Cinematograficamente, o fotograma pode ser esse fragmento revelador. O fotograma hitchcockiano, por exemplo: não um resto do movimento, mas uma insólita e fascinante paragem onde podemos ler, compreender e questionar um olhar a trabalhar. E um pensamento sempre envolvido com esse olhar.
Dir-se-ia que, ao vermos o filme, nos apetece parar perante tão abundante energia e riqueza formal. O filme é, justamente, o acontecimento que rejeita esse nosso desejo de paragem, arrastando-nos para um turbilhão de perplexidade, medo e inconfessável gratificação. Proibido pestanejar.
* THE RING (1927) – A imagem da autoridade não é, em Hitchcock, uma mera expressão da ordem (seja ela qual for). Desde os tempos do mudo, a figura emblemática do polícia arrasta uma dupla ansiedade: será ele o agente de uma estabilidade ideal ou a prova incauta de que o mundo não sabe sair da sua desordem primordial? Cinema trágico, sem dúvida, mesmo quando habitado pelo humor.