quinta-feira, abril 04, 2013

Entre memórias e lojas de discos
com Vítor Junqueira

Iniciámos esta semana no Sound + Vision a publicação de uma série de memórias pessoais sobre os espaços das lojas de discos. Hoje passam por aqui as palavras de Vítor Junqueira, autor do blogue Juramento Sem Bandeira e do livro Narradores da Decadência, sobre os Mão Morta. Ao Vítor um muito obrigado pela colaboração (e pela sugestão de uma loja que não conhecia e que tenho de visitar quando voltar a passar por Bruxelas).


Julgo que não tenho uma loja de eleição. Adoro estar na Select-a-Disc, em Londres, na Wah Wah e na Revolver, em Barcelona, na Louie Louie e na Magic Bus, em Lisboa. Ao ar livre da Feira da Ladra ou nos ridículos oito m2 de loja do vendedor da minha rua. Não importa o tamanho do espaço ou tampouco a quantidade de discos, quando nela encontramos o que procuramos ou até o que não sabíamos que procurávamos. Ou quando a conversa com quem lá trabalha nos fazem sentir a pertença a um pequeno mundo de lunáticos. Um mundo a gozar dos seus últimos dias num universo de streamings. E, atenção, o streaming é bom, porque, ao fim, o que queremos é música a encher-nos os ouvidos, cabeça e corpo, certo?

Mas vou falar de uma loja em particular, a minha última descoberta de eleição, respondendo assim ao repto do Nuno. De cada vez que vou a Bruxelas, procuro por lojas de banda desenhada (outra paixão de lunáticos) e de discos. Estas últimas, infelizmente, andam a desaparecer. Boas lojas encontrei noutras alturas que agora estão de grades corridas para sempre. Como em Londres. Na última vez, passava pela Rue du Midi, muito perto do Manneken Pis (o pequeno miúdo que passa noite e dia a esvaziar a bexiga) e dei de caras com a Le Dépôt. No piso térreo, fiquei imediatamente doido com a quantidade estupidamente massiva de BD espalhada pelas várias salas da casa, em primeira ou em segunda mão, francófona ou flamenga, atual ou com várias décadas a fazerem amarelecer as páginas. Mas havia mais. Numas periclitantes escadas de madeira, a meio de uma das salas interiores, começava a adivinhar-se o que havia lá em cima. Cada degrau servia já de escaparate para os discos. Imensos. Nas salas de cima, repetia-se o cenário de caos razoavelmente controlado que havia encontrado em baixo. “Caos”, porque se fica assustado com as quantidades em exposição, preenchendo todos os escaparates, todos os buracos, todo o espaço que exista e que não ponha em causa a circulação. “Controlado”, porque depois de instalados, começamos a perceber a lógica da coisa. E é tão fácil ficar ali horas a respirar o pó das capas, a esquecermo-nos de que o chão pode ir abaixo a qualquer instante, sob o peso de tanta discaria. Por ali se encontra música de todo o mundo. Repito, é mesmo todo o mundo. Não é como nas lojas de Londres. Temos rock inglês e americano, sim, mas também música da Indonésia, do Chile, do Zimbabué, de há 20 ou de há 50 anos atrás. Bandas sonoras, library music, discos infantis, peças de teatro ou de rádio, um mundo, tudo em ótimo estado de conservação. Mint/Mint. E, claro, encontramos também música portuguesa: de entre a sacada de BD e de discos que trouxe, guardo com muito carinho uma edição catalã do Contra a ideia da violência a violência da ideia, do Luís Cília. Se andarem por Bruxelas, visitem a Le Dépôt e, já agora, porque também é obrigatória, a The Collector Record & Movie Gallery, ali muito perto, mesmo ao lado da Bolsa.