Leo McFall |
N. G. : O processo (em curso) de redescoberta da obra de Sibelius – um dos maiores sinfonistas do século XX – tem-nos colocado perante uma maior oferta discográfica (das novas integrais sinfónicas de Inkinen na Naxos ou Colin Davis na editora da própria LSO à recente reedição das leituras por Berglund para a EMI Classics) e mais evidente presença em programas de concerto. E este domingo, mesmo tendo algum público deixado as cadeiras vazias depois do Mozart da primeira parte (magnificamente interpretado, com um vibrante Nicholas Angelich ao piano), o Grande Auditório da Fundação Gulbenkian viu um dos melhores momentos que ali recordo nos últimos tempos, com uma “sétima” do compositor finlandês numa interpretação pela Mahler Jugendorchester digna de ser editada em disco.
Estreada em 1924, a Sinfonia Nº 7 (a última de Sibelius) é uma obra de características peculiares. Composta de um único andamento, no qual podemos identificar três partes distintas, sugere uma noção de corpo – de “organismo”, como muito bem caracteriza o texto de Teresa Cascudo no programa – que a orquestra anima e a quem dá movimento e alma. A direção confiante do jovem Leo McFall (recentemente nomeado maestro assistente da orquestra) “segurou” a condução da evolução das formas, garantindo ao “corpo” da obra um enorme sentido de nitidez e coesão. Curioso no fim o jogo de contrastes possíveis com a Melodia, de Marc-André Dalbavie (que abriu o alinhamento), peça de 2008 que sugere percursos de progressiva (e discreta) metamorfose de formas espectrais suaves, ao qual o pequeno conjunto de instrumentistas chamados à frente de palco reagiu de forma igualmente notável.
Mozart completou o alinhamento, com o já referido Nicholas Angelich a protagonizar um Concerto para Piano e Orquestra Nº 20 em Ré menor e, abrir a segunda parte, um breve Adagio e Fuga em Dó menor (apenas pela orquestra).
Nota para refletir: o processo de mudança do palco às exigências de cada peça foi moroso (estendendo muito para lá da hora prevista o fim do concerto), gerou mesmo um anti-clímax na primeira parte, e merecia ser repensado.
Jean Sibelius (1865-1957) |
O célebre segundo andamento (Romanze) do Concerto para Piano e Orquestra Nº 20, de Mozart, lança-nos numa idade de ouro das harmonias entre instrumentos, com o piano a projectar um tema cuja delicadeza e sensualidade a orquestra vai exponenciar, por assim dizer libertando-o do intimismo confessional que nele pressentimos — a ordem narrativa que assim se consuma reconhece ainda na alegria uma referência afectiva e simbólica. Passamos para a Sinfonia nº 7 e o pranto das cordas (Mahler, hélas!, tão diferente e tão próximo...) envolve-nos numa experiência colectiva em que não só a noção de solo já não tem lugar, como somos convidados a participar numa performance colectiva que, paradoxalmente, sublinha a solidão primordial do ouvinte. Sem dúvida por isso, Mozart continua a soar-nos como a utopia que, apesar de tudo, podemos ir revisitando, enquanto Sibelius nos chega como indomável contemporâneo dos nossos modos de sentir.