Face ao esforço empenhado, mas pouco consistente, do novo Oz: o Grande e Poderoso, de Sam Raimi, é inevitável relembrarmos esse marco admirável que é O Feiticeiro de Oz, com Judy Garland sob a direcção de Victor Fleming — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Março), com o título 'Judy Garland em "technicolor"'.
Do lançamento do livro de L. Frank Baum, The Wonderful Wizard of Oz, até à estreia da adaptação cinematográfica O Feiticeiro de Oz decorreram 39 anos. Entre uma data e outra (1900-1939), escreveram-se, afinal, os dois primeiros e decisivos capítulos da história de Hollywood: primeiro, o da consolidação da indústria, com o nascimento dos grandes estúdios; depois, a partir do final da década de 20, a consagração do cinema sonoro.
Não admira, por isso, que a memória mitológica de O Feiticeiro de Oz seja indissociável do protagonismo de Judy Garland. Por um lado, ela era, juntamente com Shirley Temple (que também chegou a ser considerada para o papel), uma das grandes estrelas infantis de Hollywood (embora, na altura da rodagem, Garland tivesse já 16 anos); por outro lado, a sua composição da personagem de Dorothy entrou para a história como expressão exemplar da fusão entre a fábula e as matérias musicais. A canção Over the Rainbow [video] tornou-se mesmo um standard da música popular, com recriações de gente tão diversa como Patti LaBelle, Leon Russell e Kylie Minogue.
Lançado num momento charneira de desenvolvimento das imagens em “Technicolor”, o filme ficou também como um símbolo triunfante da cor. Não que o preto e branco tenha desaparecido da produção regular (é mesmo elemento fundamental em vários géneros das décadas de 40 e 50), mas é bem certo que a exuberância do “Technicolor” funcionava, na altura, como um elemento importante para atrair os espectadores às salas.
1939 foi mesmo um ano marcado pelo sucesso de dois filmes pioneiros na utilização do “Technicolor”: O Feiticeiro de Oz e E Tudo o Vento Levou. Distribuídos pela Metro Goldwyn Mayer (o segundo com produção de David O. Selznick), ambos passaram por dramáticas atribulações profissionais, com vários nomes a serem afastados das tarefas de realização. Por uma ironia artística, também ela inseparável da mitologia cinéfila, a conclusão dos dois filmes acabou por pertencer ao mesmo cineasta: Victor Fleming.