segunda-feira, março 04, 2013

O melodrama segundo Xavier Dolan

Xavier Dolan é um caso invulgar de um muito jovem cineasta (24 anos a 20 de Março) que se distingue já por um universo tão denso quanto fascinante; Laurence para Sempre, a sua terceira longa-metragem, chegou às salas portuguesas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Março), com o título 'A revolta branda do melodrama'.

Em Laurence para Sempre, quando Laurence (Melvil Poupaud) diz a Frédérique (Suzanne Clément) que quer viver como uma mulher, ela reage com a perplexidade de quem esperava a verdade do seu companheiro: “Por que não me disseste que és homossexual?”. O filme de Xavier Dolan é sobre o carácter compulsivo, porventura inevitável, de tal pergunta, mas também sobre a sua dramática insuficiência. Porquê? Laurence não está a revelar uma descoberta íntima (resultante de uma qualquer “introspecção”) nem a propor um discurso de intervenção social (para “sair do armário”). Nada disso. Laurence quer apenas ser fiel à sua identidade.
Não há nada mais melodramático do que tal projecto. Porquê? Porque, de Douglas Sirk a Rainer Werner Fassbinder (para apenas lembrarmos autores que Dolan cita de modo muito directo), o melodrama nunca foi a visão “adocicada” do amor que o senso comum lhe atribui (a ponto de haver quem considere que dizer de um filme que é “muito melodramático” constitui um automático juízo negativo). A visão melodramática nasce da colisão entre as convulsões da intimidade e a ordem familiar ou social que as enquadra. O herói melodramático é aquele que protagoniza uma revolta branda. Porquê? Sabendo ele que nada se pode equivaler à sua experiência, sabe também que não é sua vocação transformar-se em norma seja do que for, ou para quem for.
Daí a dor imensa da história de Laurence e Frédérique. E a beleza que essa dor inscreve nos rostos de tão admiráveis actores. Eles vivem, afinal, até às últimas consequências, o desnudamento que o amor implica e desencadeia. No limite mais estranho de tão estranho e fascinante filme, Dolan sugere que esta é uma história exterior à própria identidade sexual dos protagonistas. E porque não?