segunda-feira, março 11, 2013

O futebol como narrativa

Como se vê futebol? Ou seja: como se narra? Infelizmente, as opções dominantes são tão pobres quanto deterministas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Março), com o título 'Narrativas futebolísticas'.

1. Grandes e pedagógicos momentos proporcionados pela SportTV. No último sábado [2 de Março], antes da transmissão do Real Madrid – Barcelona, pudemos assistir a um prodigioso registo do jogo que as duas equipas disputaram a 7 de Outubro de 2012. Integrado na série Historic Matches, o programa, de cerca de uma hora, pode ser definido como uma extrapolação do trabalho específico de um directo. Isto porque somos confrontados com uma ainda maior proliferação de pontos de vista (com particular insistência nas câmaras colocadas ao nível do relvado), tudo organizado através de uma sofisticada montagem que, como é óbvio, não é humanamente possível durante o próprio directo. Apesar de todas as diferenças conceptuais, podemos evocar a influência desse admirável objecto de cinema, a meio caminho entre a reportagem concreta e a performance abstracta, que é Zidane – Um Retrato do Século XXI (2006), de Douglas Gordon e Philippe Parreno. Daí também o reforço de uma ideia muito simples, mas essencial, tantas vezes ignorada pelos comentadores dos jogos: as imagens (e os sons!!!) não são entidades arbitrárias nem irrelevantes, mas sim elementos de riquíssima densidade informativa que tendem a constituir uma narrativa. Sobrepor constantemente a essas imagens (e aos sons!!!) dados redundantes sobre o que está a acontecer, ou divagações infantis sobre a “justiça” ou a “injustiça” da bola ter ou não ultrapassado a linha de golo, reflecte um menosprezo pela própria noção de narrativa e pelos seus complexos mecanismos de significação.

2. Está a consolidar-se uma nova moda (anglo-saxónica???) nos comentários aos jogos de futebol. É a transformação da ambivalência do “you” inglês no “tu cá, tu lá” à portuguesa. Assim, poderia dizer-se: “Se se jogar com três defesas, corre-se mais riscos no meio-campo...” O certo é que está a generalizar-se a conversa de café: “Se jogares com três defesas, corres mais riscos no meio-campo...” Onde vai parar a mui nobre língua lusitana? A falares assim, meu, ainda aparece algum espectador a perguntar-te: “Eh pá! Conheces-me de algum lado?”