quarta-feira, março 13, 2013

Dois filmes espanhóis: que indústria?

O Impossível e Branca de Neve: dois sucessos do cinema espanhol, dois sintomas de uma identidade cultural e económica que importa encarar em todas as suas vertentes — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 Março), com o título 'O modelo do cinema espanhol'.

No cinema espanhol, o ano de 2012 ficou marcado por dois filmes com especial impacto: O Impossível, de Juan Antonio Bayona, e Branca de Neve, de Pablo Berger (este lançado há dias entre nós). O primeiro, evocando a experiência dramática de uma família espanhola no tsunami asiático de 2004, além de ter batido recordes nas bilheteiras de Espanha, conseguiu marcar presença na corrida para os Oscars de Hollywood (com Naomi Watts nomeada na categoria de melhor actriz); o segundo, apostando numa recriação a preto e branco da “Branca de Neve e os Sete Anões” em ambientes das corridas de touros, arrebatou nada mais nada menos que uma dezena de prémios Goya, incluindo o de melhor filme espanhol do ano.
Devo esclarecer que nenhum dos filmes me suscita especial admiração. Creio mesmo que há neles uma cedência a modelos mais ou menos académicos que limitam as potencialidades dos respectivos projectos. O Impossível cedo se instala na lógica das ficções televisivas dominantes, favorecendo a demagogia fácil das grandes abstracções (a “família”, a “mulher”, a “solidariedade”, etc.) que todos os dias infestam telenovelas e seus derivados. Por sua vez, Branca de Neve, embora concebido antes do francês O Artista, promove o mesmo tipo de formalismo revivalista: a opção pelas imagens a preto e branco, para mais “copiando” os códigos do cinema mudo, não passa de um jogo gratuito e pretensioso (isto para não falarmos da grosseira transposição da fábula dos irmãos Grimm para o universo da... tauromaquia).
Dito isto, creio que devemos reconhecer que O Impossível e Branca de Neve são também sintomas de estratégias de desenvolvimento cultural e económico que importa não menosprezar. De facto, desde a internacionalização da obra de Pedro Almodóvar (desembocando em 2003 no seu Oscar de melhor argumento original, por Fala com Ela), a indústria espanhola tem sabido manter uma diversidade criativa que, para além de todos os seus equilíbrios e desequilíbrios, favoreceu a abertura de novos e importantes canais de difusão.
Seria precipitado eleger o modelo espanhol como padrão “universal” do que quer que seja. Para além das especificidades culturais de cada país, as componentes de uma cinematografia nacional não podem ser dissociadas da amplitude dos respectivos recursos financeiros e da dimensão do seu mercado interno (bem diferentes, importa reconhecê-lo, do que acontece no contexto português). Ainda assim, mesmo considerando O Impossível e Branca de Neve objectos de cinema muito pouco interessantes, a sua existência reflecte uma dinâmica industrial cuja energia vale a pena ter em conta. Em particular, os efeitos visuais de O Impossível e o tratamento do preto e branco de Branca de Neve são sinal de estruturas de produção de grande solidez técnica. Não é tudo, mas conta.