sexta-feira, fevereiro 08, 2013

TV + serviço público + política

PIET MONDRIAN
Composição II, Vermelho, Azul e Amarelo
1930
Que significa reestruturar a RTP? E que é isso de... serviço público? Muitas perguntas, poucas ideias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Fevereiro), com o título 'A televisão e os políticos'.

O projecto de privatização da televisão do Estado permanece enredado num imenso vazio. Por um lado, o Governo anunciou que, para já, a empresa se mantém na esfera pública, seguindo-se um processo de “reestruturação”; por outro lado, escasseiam as ideias para compreendermos o essencial: de que falamos quando falamos de “serviço público”?
São cada vez menos as vozes políticas disponíveis para reflectir sobre o tema (a ponto de assistirmos à gloriosa indiferença das esquerdas que, decididamente, desistiram de pensar a dimensão popular da vida cultural). Entre as excepções, permito-me citar um parágrafo do artigo de Vasco Graça Moura, “Reestruturar a RTP”, publicado no DN (29 Jan.): “Basta atentar no lado alvar, suburbano, simplista e de um primarismo absolutamente deprimente de uma série de concursos por via dos quais se estrema a concorrência das televisões, a pública e as privadas, para se perceber que alguma coisa apodrece no tocante à capacidade de este país ser exigente, em matéria de entretenimento e dimensão cultural dos programas.”
Uma velha demagogia, enraizada numa cobardia intelectual transversal a direitas e esquerdas, continua a sugerir que a programação das televisões não passa de uma acintosa preocupação do “elitismo” de alguns críticos... Não é fácil contrariar o imenso poder simbólico de tal discurso. Por isso mesmo, importa regressar a algumas noções muito básicas: primeiro, que um país alagado pela estupidez militante de Big Brother e seus derivados vive subjugado pela quotidiana irrisão da dignidade humana; segundo, que o triunfo das matrizes telenovelescas reprime qualquer relação estável com outras formas de ficção audiovisual; terceiro, que a ditadura do imaginário da “fama” e dos “famosos” faz passar um conceito de cidadania banalmente arrivista, alheio à exigência de responsabilidade de qualquer cidadão face à colectividade.
Já era tempo de os políticos se deixarem de caricatos jogos florais em torno do espaço televisivo. O que deles se espera é que encarem a gravidade cultural e económica da situação. Ou seja: que façam política.